«Sei que não sou caso único mas sabê-lo, alivia? Pouco ou nada, como quando adoecemos e nos dizem que já passaram pelo mesmo! O mesmo, como é possível?! Ou que existem doenças bem piores! Mas se a nossa é esta, que nosa martiriza, e não a outra que dizem que magoa mais... De que serve saber da existência de outros males se o nosso é este e não outro?
Se é para vivermos assim e se ainda por cima nos obrigam esperar horas a fio para que se lembrem de nós, valerá a pena viver? Bem me esforço por repetir vezes sem conta ‘Marinela, bestinha, parvinha, mexe-te, anda, vamos’ e nada, não consigo, tento e sou capaz, não tenho força, sou fraca, disso tenho agora plena consciência. Estou só e sei de antemão que as minhas preces não correrão por aí, ao sabor do vento. Para meu martírio, enfiam-se embrulhadas na minha cabeça e deleitam-se a amarfanhar-me, a enlouquecer-me, vozes bestas vindas de um fundo qualquer. Ah, como eu gostaria de adormecer por uns dias e acordar e ver tudo perfeito, límpido, transparente!»
'Quando Marinela Salero Cortez decidiu imitar Don Juan', Maria da Conceição Carrilho
(página 42)
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