Esta semana andei por Lisboa um dia inteiro. Claro que os arredores do meu local de trabalho sofreram com a minha presença, por assim dizer, o que me devolveu uma sensação agridoce: o local onde mais sofro em contraponto (tantas vezes a custo) com a inspiração para escrever, desejável e crescente, que sempre me conforta ou espevita, depende.
Esta alminha estúpida, que está de férias, correu à loja, colocou uma caixinha com creme para as mãos que aplicará em dias vindouros em cima dum compartimento que está em cima da sua secretária, duplicou não uma, não duas, não três, mas sim quatro chaves e repôs algum stock nas prateleiras.
Almocei com o meu colega, o qual, a bem da verdade, me pareceu pouco saudoso da minha presença. Como sempre partilhámos a sobremesa, o pastel de feijão desta vez veio dividido à proporção de 55/45, claro que comi a parte 55, escolhi primeiro.
Vi a senhora doutora açoriana… que não me viu, o que não me atormentou.
Vi a dona Alda… Anunciei-lhe que ia certificar-me se a avenida estava no mesmo sítio. Esta é uma piada particular entre nós duas, mas que, afinal de contas, também serve estando eu de férias.
Uma mulher desdenhosa conversa com voz fininha para fazer a vaza de alguém que lhe disse coisas aborrecidas. Tem um vestido às florinhas, largo, que ajusta com um cinto para demarcar as formas. Não consegue.
Não sei dar nas vistas. Para começar, não quero dar nas vistas, por isso não sei.
Percorri num sentido o átrio dum centro comercial de chinelos de enfiar os dedos, percorri no sentido inverso com umas sandálias de salto alto calçadas. Não mudou nada.
Retorno ao lugar da musa. É talvez a minha única e verdadeira saudade no que concerne à já referida envolvência.
Claro que a inspiração voltou – é o lugar da musa!
Em catadupa.
Quando dei por mim tinha no colo:
a mala;
o livro;
os óculos escuros;
a bolsa que continha os óculos de ver ao perto;
o bloco rudimentar
e a caneta.
Alterei a ordem dos gestos enquanto bebia café. Fui lembrando que o costume é mergulhar o pau de canela no café, deixar repousar enquanto trinco a bolachinha, chupar o pau molhado no café e voltar a colocá-lo lá dentro mas desta vez a extremidade oposta, comer o que sobrou da primeira dentada na bolachinha, voltar a sugar o pau.
Estou de férias, tenho o dever de fazer coisas diferentes, baralhei todos os gestos, inconscientemente não quis saber de rituais. Ânsia, tenho é ânsia. Deveres, agora não, por favor.
Fiquei neste lugar encantado até se me acabar o tempo.
Fui ao cabeleireiro. Tinha de ser. Mesmo. Que precisada estava...
Assim que me sentei na cadeira perguntei ao Mimi se era necessário tirar as pendurezas, os brincos, que eu cá tenho sempre de dizer uma graçola.
Pedi dois copos de água duma assentada, ele trouxe um de cada vez.
Suspirei. Perguntou se estava cansada. Respondi que sim. ‘Oh, agora vai melhorar, que já vai sentir as minhas mãos.’
Hum, está bem então. Todas as mulheres deviam ter um homem destes. Devo dizer que não o tenho há muito tempo, não.
A vida continuou, após os melhoramentos. Com o caminhar, percebi que a vida gira de tal forma, que faça o que fizer estarei no mesmo lugar e serei a mesma pessoa, conquanto não se me acabe a vida.
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