Gina, a mulher que tem um blogue

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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Diário das férias lá fora
(Segunda parte, a dos textos)

Las Chapas, 25/08/2012

Estou em Espanha, de férias.
Agora estou na praia.
Vinha no caminho pensando no que queria escrever e são muitas as coisas:
arvoredo,
arbustos,
railes,
arbustos com flores cor-de-rosa no meio,
betão, betão,
alcatrão, alcatrão
(a repetição é propositada),
sol em bafos quentes.
Seiscentos quilómetros disto assim.
Tenho fome.
São seis e tal, ou lá que é. Estou cansada que me farto, levantei-me da cama às quatro da madrugada. Tecnicamente, para mim, são para aí umas dez da noite ou isso.


Las Chapas, 26/08/2012
9:40
Tenho montes de assuntos bailando na cabeça, quero escrever, muito embora não me apeteça. Claro que não. Mas pronto.
Os assuntos; acontecimentos; cenas; ocasiões; pensamentos, são de ontem, que hoje o dia mal começou.
Bebo café. Fresco e morno. Forte e pesado. Tão bom. Fui eu que fiz...
Não sei se gosto mais da piscina ou da praia. A piscina tem aquele encantamento limpinho e protegido, sadio, e um frescor claro e transparente. Mas é artificial, a água não flui, puseram-na ali e já está, podemos mergulhar e nadar e não se fala mais disso. A praia tem o luxo do imprevisível, para mim o fator surpresa é luxuoso, agrada-me ficar à mercê do mar. Não se sabe se está vento, ondinhas de brincar, ondulação moderada, ou se por outro lado o mar está chão. Gosto desta corda bamba, é assim que costumo equilibrar-me. Ademais, na praia há pessoas, falas, risos e movimento. Há vida, o mundo são as pessoas.

14:20, mas, descobri agora, pela hora portuguesa.
O bilhete, é isso - escrever do bilhete. Deitei-o na sanita, foi por ali abaixo, engolido juntamente com os detritos. Água, autoclismo - agora me lembro que curiosamente o nome da localidade onde me encontrava é Aguadulce. É para rir, isto do bilhete rasgado, levado pela água doce de um autoclismo.
E é assim (suspiro)... Estou hospedada num apartamento que cabe inteirinho, sem tirar nem pôr, na minha sala. O espaço é exíguo, mesmo. Mas, não desanimando, que isto são férias e a verdade é que não passo tanto tempo assim aqui encafuada, quando cheguei pus-me a arrumar as roupas e os apetrechos que trouxe de casa, desviei os móveis, retirei os bibelôs baratos e coloquei-os em cima do roupeiro. Ficou-se logo com mais espaço. Faço sempre assim desde que cá venho mas este ano fiz uns melhoramentos:
coloquei os alhos na molheira (não uso molheira);
o sal no açucareiro (não uso açucareiro);
as bijutarias na leiteira (não uso leiteira);
e aproveitei as bordas do móvel da tv para colocar as várias garrafas de água, ficaram assim como que em fila indiana, aguardando a vez de serem introduzidas no frigorífico ou consumidas ao natural, depende.
Lembrete: comi uma sobremesa invulgar para o meu paladar, um pudinzinho cujo sabor era tão extraordinário como deslavado, o que lhe conferiu uma enorme estranheza.
Quero ver se tiro uma foto na piscina imitando a capa de um livro qualquer que vi no lugar da musa pouco antes de partir: a cabeça pendendo para dentro da piscina e o corpo de fora. Quem vai ter a trabalheira de me tirar esta foto é o Luís, claro...

21:20, (hora espanhola)
Há bocado, na praia, a psique sofreu um abalo. Deitei-me inclinada para baixo, ao contrário da maioria das pessoas, cabeça em direção ao mar e pés para a marginal. Calhando foi por isso. Eu sei que sofro de distúrbios menores, ou seja, não funciono lá muito bem de vez em quando.
Tenho pensado no que hei-de escrever quando chegar a casa, se publique estes textos virgens. É verdade que tenho escrito como se estivesse no blogue, de uma forma encapotada, sem revelar o mais íntimo. Talvez devesse deixar-me disso, poderia aproveitar para arranjar um outro tipo de escrita, agora que estou aqui e ninguém me 'ouve', aqui é que ninguém me 'ouve' mesmo, posso arranjar uma escrita informal, virgem, por assim dizer, assim o queira.

É noite cerrada, são onze e tal. Eu e o Luís fomos passear por aí. Ele disse-me que o mar lhe transmite uma sensação de pequenez, por ser imenso, sente-se como fazendo parte do universo e então o contraste da imensidão do mar com a sua fragilidade é nisso que dá - impotência.
Eu não sinto assim. Sinto que o mar é o mar, eu sou eu e pronto. Tenho medo se estiver lá dentro, no seu espaço, porém assim, observando de fora, não, talvez por não me sentir fazendo parte do mundo em geral.



Las Chapas, 27/08/2012


São onze e trinta e dois, horas no relógio da piscina.
Chegaram os meninos cândidos. São cândidos por serem lourinhos platinados, infantis e puros. Há uma qualquer crença visual no louro que nos empurra para a candura.
Há pouco, na viagem de elevador, fomos sugados até ao andar de cima, que alguém tinha feito a chamada primeiramente. A porta abriu e vimos um senhor com dois cobertores debaixo do braço que nos retribuiu o olhar de condescendência, pois não cabia mais ninguém. Depois, para nosso espanto, fomos sugados mais uns andares acima, onde estava outro senhor que imitou a exclamação da rica filha: 'oh-oh!'. Ficámos ainda mais espantados por subirmos ainda mais uns andares, desta feita fomos até ao último piso (14º) onde uma senhora aguardava pacientemente o seu transporte e que nos sorriu resignada quando viu o elevador cheio. Isto de estar num local turístico tem destas coisas, as pessoas sorriem mais e são mais complacentes, pouco dizem pois não sabem com que raio de língua falarão...

Não sei se são duas e tal da tarde, se são três e tal, se quatro e tal. Isto porque ando baralhada com as horas que os telemóveis demonstram, parece que afinal não mudaram automaticamente em simultâneo com o serviço roaming, e a box da tv do apartamento minúsculo também parece de acordo com a hora portuguesa porque está numa grelha de transmissões britânicas e as horas na Grã-Bretanha são iguais às nossas... Para conturbar ainda mais o meu espírito, ocioso ao momento, a hora estando adiantada faz os dias maiores, a luz cessa mais tarde, o que não ajuda a orientação. Claro que estando de férias tenho o dever de descontrair, mas sendo necessária atenção à abertura / fecho do supermercado aqui ao pé por causa do pão quentinho... Tenho de me situar no tempo. Ademais, tenho de prestar atenção ao pico do sol escaldante e maléfico.

São não sei que horas e estamos na praia.
É segunda-feira.
Desta vez tenho esquecido de mencionar os dias da semana.
Hoje o mar está flat - e eu que evito os inglesismos -, que é como quem diz: liso, plano, calmo. Por entre a mui ligeira ondulação o sol reflete uns laivos dourados na água, muito belos e singulares. Há peixinhos ziguezagueando por entre as nossas pernas, que serão mesmo peixinhos, pois a água aumenta o seu tamanho consideravelmente.


Las Chapas, 28/08/2012, terça-feira

São seis e tal.
Estou na praia.
Ontem, num centro comercial aqui do burgo, vi uma mãe jovem e uma filha de uns três anos vestidas de igual. Igual dentro do possível, claro. Ambas de calções de ganga muito curtos, blusinhas de algodão branco e botins de camurça com franjinhas nos tornozelos, num estilo cruzado entre hippie e country. O curioso desta cena temática é o facto de a criancinha tomar para si um pouco da sensualidade da mãe e a mãe por sua vez tomar um rasgo da infantilidade da filha, tornando o quadro bastante interessante.

Niki Beach.
Um homem apara os pelos do nariz com um objeto pontiagudo, uma tesoura, uma pinça, não sei, só sei que era dourado. Pus-me a pensar se seria ouro, uma vez que este é um dos lugares mais luxuosos da Europa.
Isto era para rir... Ou sorrir.

Acho as fotos apresentadas e/ou publicadas na internet que tenham a marca de água, uma espécie de tolhas de hotel com o habitual logótipo em relevo. Ou seja, não se podem roubar sem que toda a gente perceba a procedência.

9 e tal da noite
Tenho andado a pensar como fazer como o que escrevo aqui.
Transporto para o blogue tal e qual?
Faço váriso posts?
Um em cada dia?
Ou marimbo para os leitores, produzindo um longo e malfadado post que (provavelmente) ninguém senão eu lerá até ao fim?
Coloco as fotos à medida dos dias?
Juntamente com o texto?
Estilo: agora escrevo, agora mostro?
Ou publico todas as fotos num só post antes de um só post de escritos?
Não sei...
Confesso que o que mais me apetece fazer é publicar antes de mais nada uma das fotos mais lindas que tenha das férias anunciando que cheguei, depois um só post com todas as fotos que ache por bem publicar, por forma a ilustrar a estadia e, alfim, um longo, extenso, exaustivo texto com todos os meus escritos destes dias, sem pudores, ou seja, tal e qual como estou a escrever, com as rasuras e tudo. Mas logo se vê.

De manhã na praia estava nevoeiro e calor. Também não havia vento. Uma combinação invulgar. O mar misturava-se com a nebulosidade, adquirindo a mesma cor. Bonita imagem, a que está na minha cabeça.



Las Chapas, 29/08/2012

9 e tal da manhã (hora espanhola)
Ontem à noite saímos, eu e o Luís, para andar um pouco por aí por essas ruas cuidadas e certinhas, que se assemelham a um jogo de monopólio de aldeamento turístico, caso existisse um. Estava um noite tão asfixiante que a visão circundante se tornava sinistra e arrebatadora, parecia-me irreal que estivesse assim tão quente e tão ausente de vento, que sufoco! Não corria sequer uma brisa, nem ligeira. Suponho que os nossos pés pousando nas folhas secas pelo tempo arredado de humidade, tão próprio desta zona, ouvir-se-iam a vários metros de distância.

Fuengirola.
As espanholas são tão putas como as portuguesas. Retirei a máquina de dentro da mala para fotografar o gelado de copo com o mar em fundo, quando ouço uma espanhola mesmo atrás de mim: 'mira la foto para la internet!'

Nove e dez, é quase noite.
Daqui vê-se o Mediterrâneo, alguns cumes de altos rochedos e a linha do horizonte onde não limite nenhum, quanto mais uma linha... Desconhece-se onde acaba a água e começa o céu, tal a mescla de cores, essa é que é essa.
Estou na varanda de um apartamento espanhol, num desses lugares de férias, hoje tão em voga.
É quase meia-noite. Praticamente não vejo o que escrevo. Os ricos filhos nadam lá em baixo na piscina, felizes e contentes. Vou ter com eles.

Regresso.
Estava-se bem na piscina, a água morna e lânguida. Ao sair é que foram elas...
O rico filho comentou que hoje, sendo quarta-feira, é aquele dia em que a partir daqui o restante tempo de pausa passa 'bué da rápido'. Todos concordámos, é assim mesmo que acontece. Eu sei que eles gostam de estar aqui mas têm saudades, acontece o mesmo comigo. Assim de repente a maior saudade é da minha caminha... Depois, sinto muito a falta da Olívia...

É quarta-feira, dia de limpeza e troca de lençóis e toalhas. A senhora da limpeza deixou um papel rubricado provando de certa forma que fez a dita limpeza. Achei graça ao nome dela: Maria del Mar. Tem tudo a ver com a zona, por isso registo.



Las Chapas, 30/08/2012

Dez e qualquer coisa da manhã.
Temos saudades da Olívia, todos os dias a lembramos e alvitramos o que ela iria fazer, com iria reagir neste ou naquele contexto, estamos faltosos do seu carinho e atenção. Quero voltar a ser acordada pelo seu afago canino, que consiste em procurar a nossa retribuição com o focinho, ou ir mais além e lamber-nos.

Aqui os cacetes compridos são acondicionados à francesa, ficando com uma das pontas de fora. Um dia desses, o meu cacete sem proteção, a parte descoberta, roçou no peito nu de um homem que viajou comigo no elevador.

O último item que escrevi foi vivido há três ou quatro dias, nem sei, que o tempo agora é balofo, sem consistência.
Escrevo bastante na minha cabeça, ainda. Tenho pena da não conseguir / poder escrever tudo, tudo, tudo, ainda.

Na piscina, 11:50.
Há quatro italianos, 'dos abuelas + dos nietos'. Não sei como se escreve em italiano, por isso grafei a castelhano as relações familiares destes quatro que observo.
Uma das avós, uma mulher que ao nível da cintura e peito é possante por demais, faz topless. Havia puxado a parte de cima do fato-de-banho pondo a descoberto os seios avantajados. Os netos (supondo eu que são familiares entre si) dentro da piscina, à beirinha, cochichavam, observando sorrateiramente a avó. Deram risadas , ainda que contidas, e a avó despertou daquela espécie de sono, de que nós, ociosos, costumamos desfrutar. A mulher levantou-se repentinamente e puxando o fato-de banho à pressa ralhou com o moço. Contudo, o ralhete, terá sido algo abafado pelo sítio onde se encontrava, presumo.

Uma mosca morde-me as pernas consecutivamente. Que chata, pá! Tenho de ir molhar-me, está visto.

Na piscina, seis da tarde, ou isso.
Eh, tanta gente na piscina!
Eh, tanta cabeça!
Eh, tanto corpo submerso!
De bruços, noto que um dos meus bíceps, o esquerdo, é maior e mais descaído. Provavelmente trabalha menos. Ai a inércia...

Chegando a casa hei-de ler todos os textos que escrevi para tomar contacto com o todo que foi as 'férias lá fora' e retirar a escória, o que não interessa. Mesmo assim, depositando no blogue um texto reduzido, tocando em pontos fulcrais, ou banais, ou publicáveis, creio que construirei um texto desinteressante para a maioria. Mas vou transcrever um texto daqui e publicá-lo no blogue, está assente.

Há pouco estivemos na praia. O mar estava revolto, se é que se pode achar revolução naquele mar… Eram só umas ondinhas maiores que o costume e uma força na rebentação bem mais forte.


Las Chapas, 31/08/2012

Na praia, dez horas e alguns minutos, presumo.
Ontem à noite houve incêndios numa destas serras circundantes. As proporções são grandes, o que é natural, uma vez que nesta terra é tudo grande, longe vai o tamanho do meu Portugal.
Amanheceu farrusco, ventoso, sombrio, contrastando vivamente com os dias anteriores. A varanda tinha restos de cinza e outras partículas, sinais do dito incêndio. Calhando, o tempo embrulhado deveu-se ao incêndio…
Agora está sol mas o vento continua. A areia tem uns laivos mais brancos, parece matizada a duas cores, que giro.

Na praia, de tarde, cinco horas, mais pico menos pico.
Chegámos e todos nos olharam. A praia assim – quase vazia – tem esta particularidade, todos têm menos o que observar, a água não está tão apetecível, há menos que fazer, as pessoas entretêm-se com os recém-chegados, que são basicamente aquilo que mexe dentro da pasmaceira que pode ser uma praia num entardecer fresco. Por isso este sentir assim, esta atenção desmesurada que nos faz sentir como que numa pequena aldeia, onde há poucas novidades, onde a vida se apresenta tão redonda, sem fim à vista, acabada, é isso: acabada, por estranho que pareça.

Na praia, mais tarde um pouco, depois dum banho perfeito, quiçá o derradeiro.
Ora bem, é sexta-feira, não me lembro de mais nada para escrever, aquelas coisinhas pequeninas, esquecidas, escondidas nos ficheiros da minha mente… Sinto que queria escrever muito mais, mais e mais, antes que se me acabe o ócio de vez.
A praia é linda, a areia é cinzenta mas linda. O mar é verde. Verde água, claro… A ondulação anda ali entre o controle e a rebeldia, no meio-termo, vá. Há muito vento, temos inclusive de fixar as toalhas com pedras.

Na piscina, 6:15

O derradeiro banho. A seguir vamos às tapas, num determinado sítio que nos recomendaram.

Houve tapas e gelados no fim, servido num ‘cono pequeño’. A rica filha enganou-se e pediu um ‘coño’, a moça riu imenso e disse ‘no passa nada, isso es normal…’


1 de setembro de 2012, Algodonales, que é como quem diz: em plena viagem.

Parámos aqui, são dez da manhã, muito embora os relógios digam que são nove.
Há um cheiro muito forte no ar, parece-me pólen, é o setembro, só pode… Lá vem o outono.
Deixámos para trás o apartotel, piscina e praia, todos tão pertinho uns dos outros, tão alcançável… Enfim, bye-bye, ‘migos.
Aqui, na pastelaria, somos atendidos com dificuldade por uma jovem andaluza, a disposição dos habitantes daqui é bem diferente da zona de Marbella. Aí há uma tentativa em nos entender, nota-se que as pessoas se esforçam, possivelmente por estarem rodeados de turistas oriundos dos mais variados países. Aqui não. Paciência. Seja lá como for, assim é indício que estamos ‘realmente’ em Espanha, a pronúncia é bastante diferente, falam a cem à hora, ou assim, e só percorremos 150 quilómetros.
Há bocado, antes de sair, vi a última paisagem que quis guardar na memória: os muretes em volta dos chuveiros que estão no recinto da piscina brilham imenso, a noite ainda viva, o escuro envolvendo a restante paisagem e o murete, esse, branco de cal. A cal deve ter um refletor qualquer. E assim me despeço.


Loures, 02/09/2012, domingo, 22:55

Sim, Loures. Chegámos ontem à noite e desde aí ainda não me dispus a escrever.
Estava saudosa da cadela que neste preciso momento afago (foi-se embora, parece que percebeu) e da minha casinha.
E agora vou ler o ‘diário das férias lá fora’ que escrevi nestes dias para me ir inteirando dos assuntos que efetivamente vivi, para apurar o que considero publicável e assim começar a delinear o enorme post que vou construir e publicar no blogue.

0:10 (3 do 9 de 2012, portanto…)
Fomos buscar a Olívia esta manhã. Ficou completamente louca quando nos reconheceu, gemia e tremia descontroladamente. Deu pena mas teve de ser assim, tivemos de deixá-la cá…

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