Gina, a mulher que tem um blogue

Gina, a mulher que tem um blogue

terça-feira, 20 de maio de 2014

Todos a bordo! (Diário duma viagem de 3 dias + 1 pedaço)

Segunda-feira
Olá, bom-dia. Para já anuncio que hoje vou escrever d' hoje, do sábado e do domingo. Lembrei-me. Durante o fim-de-semana não quis escrever, não que não me apetecesse mas pronto, coiso. E não escrevi. Vai daí, de manhã, no carro, teci um plano: registaria as coisinhas de três dias num só post. Criarei um post confuso, bem sei, mas não será a primeira vez nem quero que seja a última.
Sábado
Fui passear o cão. Um vizinho encontrou-me junto aos caixotes do lixo e perguntou-me timidamente se eu era a pessoa tal. Afirmativo 'migo e desembuche. Desembuchou: encontrou uma luva de motoqueiro junto à entrada do prédio onde mora e se era minha. Confirmei: é minha sim senhor. Pergunto onde mora: moro no quinto andar. Obrigada, eu. De nada, ele.
Apanhei uma florinha linda, arranquei-a dum canteiro. Arrancar flores ao município é tão feio. Não a fotografei. Ainda lá está, no copinho, a embelezar a cozinha. Mas embeleza poucochinho, que é só uma florinha, um malmequer ou lá que é.
Segunda-feira
éme de 'meu'; bê de 'beleza; éfe de 'fotocópia'; tê de 'telefone'
Domingo
Passei uma camisa a ferro. No colarinho está presa uma pequenina etiqueta com um número. Pensei em como é fácil saber os tamanhos no caso do vestuário masculino, basta saber o diâmetro do pescoço e sabem-se todas as outras medidas dos corpos. Há um padrão. Que simplicidade. As mulheres são complicadas até nisso. Ah, de peito sou de tamanhão mas de ancas sou estreita. Ou então o contrário. Eles, não. Olha lá, diz-me quanto mede o teu pescoço e duma assentada dir-te-ei o resto dos números que te compõem.
Sábado
Quando fui passear o cão, uma vez mais, uma vizinha cumprimentou carinhosamente a cadela (sim, é uma cadela) e não me ligou porra nenhuma.
Segunda-feira
A nível musical o dia está a ser fraco, a Radio passa imensas canções dos Coldplay, grupo que não aprecio de todo, só porque esses parvalhões lançaram hoje um trabalho mui esperado pelos fãs, o qual, ao que parece, foi sobretudo inspirado pela separação conjugal do vocalista e sua senhora, é portanto como que um fruto da infelicidade.
Sábado
Fiquei sozinha em casa, marido foi trabalhar; rica filha foi trabalhar; rico filho foi sair. Faz-me sempre impressão ficar sozinha no recesso do meu próprio lar. Mas está cá o cão. E a tartaruga.
Tive vontade de ligar o computador e pôr-me a escrever que estava sozinha e mais não sei o quê. Mas não.
Segunda-feira
Nos rascunhos do blogue tenho um pensamento de Fernando Pessoa que fala da solidão em que sempre vivemos. Diz assim: «Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.»
Domingo
O rico filho foi levar o pai e a mana aos seus trabalhos. Fiquei sozinha de novo. Eu e o cão. A gente as duas (sim, o cão é uma cadela) mais a tartaruga, sei que esta está presente porque a ouço raspar as unhas no aquário. Dá-me a ideia que não gosta muito de estar ali...
Segunda-feira
Meio-dia e tal. Chove. Bem diziam eles, na Radio, na TV e na Internet...
Uma senhora entrou para comprar uma coisita, diz que gosta do cheiro da terra molhada. Concordo, o cheiro da terra molhada e que estava por molhar há muito tempo é agradável, é.
Domingo
Sou criativa na gastronomia doméstica – leia-se paparoca lá de casa -, fiz um gelado. Levou creme de pasteleiro; puré de pera; claras encasteladas. Hum, não ficou grande coisa mas acho que mesmo assim não vai sobrar nada. Sou criativa e exigente ou insatisfeita, o gelado não estava nada mau, tinha humidade a mais, pronto, então, em vez de ficar muito cremoso, ficou uma espécie de gelado de gelo.
Segunda-feira
Um cliente pediu veneno para os bichos da cozinha. Bichos da cozinha são baratas. O homem era estrangeiro. Calhando, sendo português usava a mesma expressão.
Sábado
Creio que não existem mais itens de sábado na minha memória.
Domingo
Eu e a rica filha cantámos uma canção lamechas* na varanda, em alta voz. Que maravilha. A vizinhança de cima calou-se um tudo-nada de tempo para ouvir e depois retomou o falatório. Mas cantámos mesmo com sentimento, quero eu dizer que cantámos bem, eu até fiz do cabo da esfregona um microfone e tudo. Cá em casa ninguém nos ligou, claro, mas lá para fora fizemos um brilharete, de certeza. Lá para fora quero eu dizer para o resto da vizinhança, doutros andares e dos prédios ao lado.
Sentimento ainda mais expressivo nesta estrofe...
And your eyes
Your eyes, your eyes
They tell me how much you care
Ooh yes, you will always be
My endless love
Segunda-feira
Hora do grande intervalo. Vou almoçar. O quê, não interessa. Mas vou dizer que na ementa estava outra vez lombo de porco à padeiro...
Saio para a rua. Chove mais do que há pouco, tanto que o chão tem poças. O cheiro da terra que estava por molhar há muito tempo dissipou-se.
Lugar da musa: tem gente, mesmo com a chuva. O homem do pó de canela cumprimentou-me. Entretanto reconheci-o, era o homem do pó de canela, pois era, já eu tinha dito. Este homem há-de aparecer no blogue daqui a algum tempo, o dito está rascunhado desde a semana passada e como hoje estou confinada a três dias, pumba, coiso, não cabe cá.
Domingo
O rico filho chegou de ir levar o pai e a mana aos seus trabalhos. «Toma, agora é a tua vez», diz ele, entregando-me a chave e os documentos do carro. Preparei-me e saí para ir ao supermercado. Deixei a moeda de plástico na consola do carro, como das outras vezes. Enquanto subia pela escada rolante pensava que devia andar com uma tabuleta a dizer algo deste género: «arranja-me uma daquelas moedinhas para o carrinho das compras, por favor?» Dirigi-me ao balcão, o qual afinal de contas tem um monte de moedas vermelhas. Monte, no sentido literal, até faz cogulo. Portanto ao que parece não vai ser preciso pedir a moeda por boca, posso retirá-la e continuar muda. Mas mesmo assim murmuro um: «posso...?» A funcionária faz que sim com a cabeça, é mais muda que eu. É que eu sou muda mas sou educada.
Segunda-feira
A nova leitura não está a entusiasmar-me – 'A Estreita Sombra de Catarina Vale', Irene Antunes. Neste romance não existe um enredo entendível, a história é contada no ar, assim como que deitada ao acaso, em pedaços dispersos, que parecem nada ter que ver uns com os outros. Mas há pedaços muito bons, ao menos isso:
Há um homem sentado no lugar mais invisitável da casa, tem a cabeça parecida com um bola de futebol.
– É careca?
– Não é isso. Tem a língua bem escondida e olha tão longe que parece que nem olhos tem. Acho que está afastado por uma inquietação oculta. Se o encontro no corredor, nem bom dia nem boa tarde, nem parece que vai chover.
– Realmente, não é gentil, podia ao menos dizer que linda que está hoje.
– Não queria tanto.
Lugar da musa. Toca o telemóvel dum homem. Estou na Barata, diz ele. E eu respondo-lhe em pensamento: não está nada, não está não senhor, que é lá isso, está no lugar da musa, 'migo. Ponho-me a rabiscar: o homem diz ao(à) recetor(a) que não tinha ligado pra ele(a), não sabe que aconteceu mas se tinha lá uma chamada dele tinha sido sem querer, diz que está a chover, que a temperatura desceu muito, que anda ali à procura dum livro com a história da matemática.
Domingo
Precisei tanto do Luís para me arrumar as compras no carrinho. Sou uma despistada, atiro as coisas lá para dentro e não quero saber de aproveitar espacinhos.
Terça-feira
Olá, bom-dia! Resolvi que é melhor continuar com este escrever. Ontem deixei assuntos pendentes e terminei o post abruptamente. Continuo.
Segunda-feira
Rua tal, árvore número oito. O esperável. Pois.
Domingo
Vi pedaços dum documentário televisivo que exprimia conclusões da ciência e da matemática, um tema sobejamente interessante mas que se mistura invariavelmente com a espiritualidade e o desconhecido. Já não tenho presente pormenores do documentário, o que lamento, mas o que quero deixar registado é que independentemente da existência daquele deus que nos ensinam a acreditar desde o berço, sei lá se existe ou não, a verdade é que vejo algo magnânimo e soberano na impossibilidade de separar o concreto do espiritual, o que me pasma tanto quanto me confunde, então, talvez seja aí que está Deus.
Segunda-feira
Se for preciso gotas protetoras em silicone, há no estaminé para vender. Na embalagem diz que são 'proctetoras', estão desactualizados… Ai perdão, desatualizados.
Terça-feira
Quem souber o que é uma 'pedra rusta' ponha o dedo no ar.
Domingo
Aterrou-se-me uma flor na varanda. É cor de cereja não muito madura e tem três hastezinhas com olhinhos cor de cereja muito madura. Muito madura. Coloquei-a ao pé da que colhi no sábado.
Segunda-feira
Ó Luís, tu não ouves o volante do carro a ranger?
Ouço.
Ah.
Terça-feira
Chamava-se 'Seaborne', a antiga gama esmaltada das tintas Robbialac. Tira-se-lhe o 'e' e o mar parece que nasce numa só palavra e num país de língua anglo-saxónica.
Terça-feira
Terça-feira. Ter. Términus.

*A canção era esta:


1 comentário:

Manuel disse...

Vinha só cumprimentar mas, li, e concluo a Gigi em todo o seu esplendor!
Beijinhos

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