A minha mãe abomina completamente o sol de verão, principalmente os seus malefícios. Passei a minha infância impedida de sair à rua nas horas de maior calor para não ficar escura que nem uma carocha (a minha mãe chamava-me carochinha porque sou morena, mas não com maldade, era carochinha em modo carinhoso).
Na praia de Carcavelos era obrigatório o aluguer de barraca às riscas porque a minha mãe não suportava o sol, bem como era obrigatório estar lá enfiada durante a pausa do almoço e o tempo de digestão. Que tédio...
A minha mãe está correta, o sol é maléfico, só por dizer que não é bem por causa do cancro de pele e essas modernices que a minha mãe sente esta espécie de desdém ao astrorrei, é para não ficar escura. Para a minha mãe, ter uma pele fininha é bonito e de valor, fininha é adjetivo comparável a tez alva, sem sequelas, própria de quem se cuida e, lá está, se protege do sol. Coisas da minha mãe e suas raízes sulistas.
Cresci a ver a minha mãe com medo ao sol, a evitá-lo a todo o custo, com asco ao moreno, mas rodeada dele: eu sou morena, saio ao meu pai, que é bem mais escuro que eu. O meu pai é muito moreno... É, o amor é assim: dizem que os extremos se atraem e há uma certa tendência para nos sentirmos atraídos pelo que mais detestamos, aí está a prova.
Mas viver com este medo tão extremista da minha mãe não me contagiou, muito embora eu tenha um problemão pela frente sempre que ouso dizer que um rosto bronzeado pelo ar da praia não me atrai, acho que fica grosseiro, começa logo tudo diz que a minha mãe é que me influenciou mas não é verdade. Além do mais, não sou nenhuma criança, há décadas que tenho opinião formada acerca de vários assuntos.
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