Gina, a mulher que tem um blogue

Gina, a mulher que tem um blogue

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Encanto

Comprei uma camisola com a palavra 'enchantè'. É linda, cinzenta, com relevos. Os relevos são fofinhos, onde não há relevo há transparência mui ligeira. As letrinhas 'enchantè' são dum prateado cheio de graça e requinte, nada de muito vistoso.
Não precisava da camisola, preciso é de me sentir uma alma simpática, dirigir-me às pessoas com quem me cruzo, dizer que estou encantada sem vocalizar. Vai ser maravilhoso, depois, quando aquela coisa da reciprocidade começar a dar frutos, e toda a gente se encantar comigo. Encanto vocalizado, preferencialmente, para serem diferentes de mim.

Palavras

Uma escritora tem tendência para dizer 'não senti dispararem flashes sobre mim', quando devia dizer 'ninguém me tirou fotos, já viste?!'

Eu tenho de escrever menos, que isto anda a fazer-me mal. Anda, anda.

...

Não fiques aqui.
Vai para ali que é para eu te ver bem.
Põe-te à luz.

Lixeira

Os sacos estão ressequidos. São sacos para lixo, não estão rotos, já me certifiquei com a cliente, mas estão ressequidos. São sacos para meter o entulho, é pegar, encher e deitar no lixo. Não estão rotos, mas estão ressequidos. E vão assim com lixo e para o lixo. Que problemão.

Como é?

Sabes como é tu esforçares imenso por explicar aquilo e o teu ouvinte esforçar-se ao máximo por não te entender para tu ficares com a ideia de que és estúpida(o)?

Se não sabes, devias saber.

Registo

Eu e os meus registos dentro da hora e outros dados, numa ânsia de objetividade:

Lisboa; avenida João XXI; 14:28; 17º

Nariz

Aquele vendedor do estamine, o sósia do Jeremy Irons, é fanhoso. E eu que nunca tinha dado por isso...

Vislumbre

Encontrei a menina dos olhos azuis que dantes estava no lugar da musa. Cruzámo-nos na rua, reconhecemo-nos e cumprimentámo-nos mutuamente, com sorrisos francos.
Achei-a menos menina, logicamente mais mulher. Continua linda, tem uma aura muito bela e salutar, a qual deve conseguir manter durante décadas.

(A) variar

Fui ao lugar da musa antes da hora do costume. Gosto de variar. Gosto de prismas e assim. Estar nesse lugar numa hora diferente apresenta um aspeto diferente. Diferente; diferente, não me ocorre outra palavra...Diferente.
Continuando. Estava lá o senhor doutor.
- Bom-dia, senhor doutor!
- Viva, doutor, como está?
- Então, Jorge, tudo bem?
Pôs-se à conversa com o que lhe chamou Jorge, reparei que queria à força lembrar o ano do próprio nascimento, parecia-lhe que tinha sido em 1921 mas logo se esvaía a certeza.
Não achei esta incerteza muito engraçada, achei graça, isso sim, ao facto de ele ter cerca de noventa nos e ainda ser doutor, o canudo nunca abandona as pessoas.

Desaparecimento (desapareceu o cimento)

A minha vizinha chegou da casa dos pais. Foi-lhes dar o almoço e limpar a arrumar, dispôs-se a este compromisso, dizia ela, mas que agora só lhe apetece é desaparecer.
Devia tê-la aconselhado, devia, devia mesmo, dizer-lhe que arranjasse uma ocupação qualquer, por mais estúpida que pareça.
Desenhar rosas, não gostas de desenhar rosas? Força nisso, vá.
Olha, eu cá escrevo, é estúpido, eu sei, às vezes quero morrer mas continuo a estafa de produzir textos, escrever faz-me... Desaparecer. Tenho dias em que estou tão ténue que mais pareço um holograma daqueles que aparecem em filmes antigos sobre ficção científica, quando as personagens se teletransportam.

Tendencialmente

O que acontece com...
… as caras lindas com a idade convertem a candura em malvadeza.
… as caras assim-assim, nem feias nem lindas, tornam-se sobretudo tristes.
… as caras feias, surpreendentemente, melhoram.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Amorosa (mente)

Escrever uma história de amor é desgastante. Não é que não goste, nada disso, é... É desgastante. Porque não me vejo muito amorosa, porque é um desafio, porque me rouba tempo ao blogue, porque necessito de um sentimento ruim e triste para chegar àquele ponto onde está a musa, porque isto de escrever é - ou pode ser - uma porra chata pra caraças.

A paragem

Não devia escrever. Sei-o convictamente. Não devia escrever, não senhores. Mas não quero parar. Pode comparar-se ao sentimento de uma adúltera, ela sabe que não deve, mas é bom e prazeroso, cativante, luxuriante. Não vou parar de escrever, pouco me importa se adultero a minha personalidade.

Confessando

São confissões.
Posso pensar que adoro escrever e não sei falar, mas isso por vezes é uma desculpa longe da verdade.
Eu sei falar, a minha língua move-se bem, há cordas vocais na minha garganta. O meu aparelho vocal está dentro dos parâmetros da normalidade.
Já os dedos são uma desgraça, atrapalham-se, digitam sílabas ao contrário, os acentos ficam sempre num espaço; os tiles, os circunflexos, todos fora do lugar numa primeira corrida, depois retifico, quero usar o que aprendi num cursinho de datilografia que tirei aos quinze anos, fazer uso da dedilhação, digitaria tão mais depressa...
Também não sei escrever lá muito bem, portanto.
Mas gosto mais de escrever que de falar. Gosto, gosto.

Isto aqui são confissões confessadas a uma nuvem ou às folhas das árvores. Às vezes também digo coisas ao arco-íris, mas esse é mais arisco, nem sempre aparece.

Real

Não deturpo a realidade. Cubro-a com lindos ornamentos, uns dourados, outros diamantados. A meu ver melhoro a realidade substancialmente.

Caminhando

Caminhar na rua sem dinheiro ou documentos é doentio. A menos que apareça o homem da loja de móveis. Aí, sim, a doença cura-se.

Depressão

Os anos de negação a si mesma desencadearam um défice de amor-próprio.

Chamam-lhe depressão. Seja. É um estado de alma. Irresistível. Escavaco-me toda para não sucumbir.

Términus

Terminei de ler 'O Anjo Literário', Eduardo Halfon. Desta leitura retirei imenso, mas tenho debitado algumas impressões no blogue, de maneiras que me vou ficar por aqui. Adorei este livro, foi das leituras que mais me prazeirou. E repito: foi a Redonda quem mo ofereceu.
Assim que terminei a leitura fiz algo que nunca tinha feito, pelo menos que me lembre: abri a gaveta onde tenho vários livros que aguardam a sua vez de serem os meus amigos inseparáveis e escolhi um 'A Mulher', Meg Wolitzer, começando imediatamente a ler.
É um livro que se arrasta. Não digo chato para não parecer mal, mas também não o digo porque por enquanto não acho que efetivamente seja. Há pénis e isso a cada três páginas, às vezes menos ainda, um número menor de páginas intervalando o vocábulo, quero eu dizer, o que contribui grandemente para me manter interessada. Eu que continue lendo... E ver-se-á, ou seja: devo dizer qualquer coisinha um dia desses aí.

Era assim

A nova bancária viu-me rubricar a folha de depósito. Ainda não me reconhece, a pobrezita. Curiosa, perguntou se sou filha ou mulher ou o quê. Tudo por causa do guê. Porra, pá, aquele nome nem é meu nem nada... Quem manda não me deixar estar com a minha casta?
Se bem que há vantagens. Recém-casada, umas das primeiras vantagens foi no centro de saúde, quando as senhoras conhecidas viram o guê mostraram logo um interesse desmesurado na minha pessoa, mas quem é a menina, não conheço, é filha?
Mas logo vem o pensamento derrotista: raios partam isto do nome, cedo descobri que se fosse tratada com deferência isso dever-se-ia ao nome. Uma chatice... Eu não interesso para nada, o foco é sempre o marido e o pai, assino com um guê e pronto, siga a vida. Bah.

Astúcia

Sou mais astuta do que aparento.
Não desenvolvo o assunto para não estragar, tenho um bocado a mania de desconstruir os argumentos todos, reduzindo-os a nada, ou a mentiras infundadas, e ademais a desafortunada pula de roda de mim novamente e assim este vai parecer um blogue de suspiros lamentosos. E frustrados. E tristes. E sós. Um blogue arredado da poesia. A desafortunada pula insistentemente, sem ofegar.

P.S.
Sou mais astuta do que aparento.

Reciprocidade

Se eu posso tomar um analgésico porque me dói a cabeça por gritar para o surdo... Acho que o surdo pode comprar um aparelho auditivo.

Obrigada

Não devo agradecer lerem a minha historinha, o meu blogue. Devo deixar crescer a vaidade, eu sou muito boa nisto de escrever, eles que venham ler, homessa!
Quem lê, lê porque quer e se quer, é um facto, mas não sei se devo calar os agradecimentos. Às vezes emudeço-os, finjo-me descontraída, mas não consigo ser sempre assim. Um dia, talvez. Agora, não. Um dia que não escorrace as pessoas da minha vida talvez consiga manter essa distância. Agora, hoje, abrutalhada como sou, o melhor é ir agradecendo o tempo que despendem lendo isto, porque garanto que não entendo como conseguem.

Nova historinha

Como não ter mais considerações sobre o evento de sábado? Logo eu?! Vamos a escrever, vá.

Um dos autores tem uma cara de escritor que é qualquer coisa de extraordinário, apresenta um semblante esgrouviado e descontraído. Fixo-me nele, queria ser assim. Quero copiá-lo, colar-me à sua postura, mas não dá.
Pensando bem, este escritor também pode ser professor de português ou fotógrafo... Até a indumentária está em conformidade com essas classes. Os acessórios, idem. Os óculos são baixos e dum colorido vibrante. Gosto dele, se ainda por cima emana simpatia daquele arzinho de maluco... Não o conheço, pois não, melhor ficar assim para não estragar a memória.

Você é o António, pergunta ela. É uma mulher de cinquenta e tal anos, de cabelo penteadinho, risco ao meio e dois ganchos apanhando as mechas que teimariam em cair se não estivessem lá aqueles ganchos ridículos.
Ele diz que não e fica muito sério. Ela olha-o e repete a pergunta, incrédula na resposta do homem. Ele olha-a, sisudo e frontal. Ela continua desconfiada mas vai à sua vida, levando o penteadinho para outro compartimento. Cinco passos depois para e regressa.
Você é o António, repete, ainda, aqui afirmando. Ele nega, inventando aborrecimento. Ela vai-se de vez.
Ao redor há um pequeno grupo de pessoas interessadas naquele episódio, mostrando sorrisos de cumplicidade para com o ‘António’, uma vez que a aparência da dita senhora não augura nada de bom.
É então que o António confessa que é o António mas não lhe apetece falar com a senhora, que mora lá no prédio mas é uma chata. Este é, portanto, um caso em que a aparência está de acordo com a realidade.

Lá à frente há um escritor que se destaca devido à envergadura e ar misterioso. Não gosto da obscuridade que parece ter a sua alma devido à expressão facial que acarreta consigo. Tenho de ler o seu conto, a ver se muda o prisma.

Não gosto daquela escritora que estava sentada na primeira fila. Tem um olhar atravessado e pela metade. Não gosto dos olhos meio abertos, esquisitos, mas não gosto dela principalmente porque sou invejosa: vi-a receber muitos aplausos e apupos.

No percurso de regresso ao meu lugar, depois de debitar publicamente as parcas palavras, um escritor acena-me e chama-me:
'Gina!'
Dirijo-me a ele e aperto-lhe a mão, ele apresenta-se:
'Sou o João.'
Era o João, que eu só conhecia do Facebook. Depois, infelizmente, não tivemos oportunidade de conversar. Fica para a próxima.

No meio da barafunda descobri uma outra cara, a duma bloguista cujo blogue leio há algum tempo, também só tinha tido acesso a uma foto mas reconheci-a imediatamente. Toquei-lhe no braço e perguntei:
'Tu és a Olinda, não és?'
Era, pois. Muito simpática e amiga. Muito bonita também. Fala que se desunha. Tão diferente de mim. Pouco importa.

Quando vi o livro, quando lhe peguei, quando o desfolhei, e principalmente quando vi a jovem – e primeira - leitora tão interessada como referi ontem, deixei a vergonha de verem e lerem e saberem o meu texto. Quando as palavras chegam ao público já não são pertença do criador.

Abaixo figura uma foto distorcida que o Luís tirou enquanto eu balbuciava as minhas palavrinhas perante a audiência. A foto não presta, mas é o que se arranja; é a recordação que há.


Lisboa, 27 de outubro de 2012

Bochecha

O que tenho a dizer ao momento é que existe um dói-dói na minha cavidade bucal, mais concretamente na bochecha direita. Dói-dói esse que mordo quando não tenho cuidado, ou quando como com sofreguidão. Porra.

O cheirinho e eu

Cheira mal, o casaco dela cheira a sujo retardado, o suor e o pó recalcados, enclausurados e comprimidos num roupeiro por dias consecutivos, talvez uma estação inteira. Ela nem está assim tão perto de mim. Mas cheira. Mal.

Eu e o cheirinho

Dona Petra vai na rua. Às minhas narinas chega o seu perfume. É um odor fora de moda, dá a impressão que o tem em casa há tantos anos que se lhe apurou os males intensamente, é tão adocicado que enjoa. Vulgo perfume de velha, portanto...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Nota de rodapé, por hoje no cimo do blogue

Dá para perceber que hoje vivi rodeada de pensamentos literários. Note bem: não pergunto, afirmo.

Amor-ódio

As pessoas são intrinsecamente más.
Mas...
Repito: mas...
Momentaneamente boas.
É por isso que vamos conseguindo viver em sociedade.

Antes e depois

Ela disse que eu dantes na igreja para ir lá à frente falar desatava a chorar que não queria e agora por causa do livro já consigo falar diante de pessoas, e ainda por cima nem as conheço.
Que mazinha...
Ela foi mazinha mas tem razão, só por dizer que hoje estou convicta do que quero escrever e apresentar, e dantes tentava alcançar uma fé que todos me diziam ser forçosamente obrigada a possuir.

Lá à frente

À minha frente caminha um homossexual. Como é que eu sei que ele é homossexual? Não sei, deduzo. Nunca lhe servi de colchão ou tapete de sala. Deduzo. É assim que fazem as pessoas que querem escrever umas quantas patacoadas num blogue ou noutro sítio qualquer que se destine à escrita.
É mesmo assim, os escritores não conhecem os factos com profundidade, deduzem e escrevem, registam, dão uma forma concreta, iludem os leitores com certezas que eles próprios não possuem.

À minha frente caminha um paneleiro. Leva o púbis à frente, provocador, e joga os braços ao lado com o balanço do andar, quer tocar os transeuntes, numa ânsia histérica, sem medos, sem vergonhas, aperta as nalgas como se quisesse encolher um peido, destemido, fixa o olhar no olhar de quem se cruza com ele, desafiador, roda a cabeça para ver quem o ultrapassa.

Aura

Quis falar da aura benévola. Vai daí lembrei-me se as auras não serão todas dentro da benevolência e todas os sentires positivos... Ai que eu afinal não sei escrever...
Até nem sei escrever, o corretor ortográfico dá uma ajuda do caraças, não fora ele e isto aqui eram só erros...

O prazo

Já me lembrei se esses escritores que têm contratos com revistas e editoras e depois se veem a braços com o cumprimento de prazos, não materializarão a sua arte. Que se esfume a arte não me parece possível, pois quando não ser-lhes-ia impossível escrever fosse o que fosse, mas que se materialize a arte, que debitem algo legível e entendível mas oco devido à escassez de tempo ou ao forçado despacho.
Deve ser uma chatice do caraças escrever assim: porque outros querem prazos, porque outros escolhem temas, porque outros ditam ordens.

Afã

Quanto mais o tempo passa, quanto mais escrevo, mais desejo leitores. Não passo sem a sua presença. Já não dá. Cheguem-se aqui, vá, para eu aquecer.

Nova historinha

Hoje tenho uns assuntos a acrescentar à trama 'Nova Historinha', claro. Funciono ao retardador, de maneiras que já me lembrei dalguns itens que quero registar.

• Antes de sair de casa achei por bem ir buscar uma caneta preta ou azul, não fosse precisar por qualquer motivo, que a que anda comigo diariamente é vermelha. Não é por nada de muito especial, é porque tenho carradas de canetas dessa cor, e assim, para apontar os meus rascunhos ou tópicos sempre as vou gastando.
Mas não precisei de caneta nenhuma, desta vez não dei autógrafos. E a culpa disso é minha, tivesse convidado mais pessoas.

• A minha historinha situa-se novamente na página 245 da coletânea. Devia jogar na lotaria com este número ou assim.

• A primeira leitora, ávida, por sinal, fez a sua leitura logo após a apresentação, ainda no local do evento, de pé. Ia-a observando de soslaio, vendo a sua expressão alterar-se ligeiramente perante o crescendo do meu texto, um olhar vivo e interessado. Quando terminou de ler comentou:
'Quem me dera escrever assim!'
Tão jovem, tão inocente, que pureza. Sorri-lhe apenas, para complementar o comentário, mas tive uma vontade imensa de lhe dizer:
'Ó rapariga, não seria grande coisa se tu com a idade que tens escrevesses assim!'

• Diante daquela multidão ocorreu-me que ali, no meio de escritores, pessoas que conhecem tão bem como eu os meandros da escrita, estarão seguramente pessoas que gostam de me ler e pessoas que não gostam de me ler. Depois, inseridos no segundo grupo, ainda se apura um grupinho que não entende o que escrevo, e ainda outro, mais pequenino, minúsculo, que deturpa o que escrevo. Esses são do piorio. Folgo que sejam tão insignificantes.

• O meu texto tem por título 'Escorregar não é cair'. Ontem caí nos Capuchos. Quis descer uma ravina, escorreguei e caí por causa dos cogumelos. Caí, que escorregar pode ser cair, sim senhores. Ver foto abaixo.


Capuchoss - Costa de Caparica, 28 de outubro de 2012

• E pronto, acho que terminaram as conjeturas acerca do evento. Se não acabaram não faz mal, claro, amanhã há mais.

Empréstimo

Certo dia foram-me emprestados pela própria autora dois livros, com a viva recomendação de que os entregasse assim que os terminasse de ler. Sim senhora, concordei com as condições em jeito de advertência, mas fui-me esquecendo, ora por desleixo ora porque sim → esquecia-me, e os livros foram ficando no lugar que lhes arranjei, pendurados no puxador da porta do escritório do meu colega.
Entretanto vim a saber que a senhora já não tem os cinco bem medidos devido à senilidade que a todos assola em chegando a idade imensa. Deixei escorrer um bom bocado de tempo com o intuito de descansar a consciência e este fim-de-semana, finalmente, levei os ditos livros para casa, certa de que ninguém, sequer hipotéticos herdeiros da escritora venham a reclamar tais pertences.
Então, antes de os arrumar na minha biblioteca, escrevi na primeira folha branca de cada um dos livros:

'Forçadamente oferecido pela própria autora em junho de 2010.'

Ah, li os livros, sim, os dois.

Recadinho

Os recadinhos da rica filha também têm direito a figurar no blogue...
A rasura deve-se ao facto de ela julgar que 'tira-lha' parece obsceno.
Note bem: GG não sou eu. GG é Gossip Girl.



Mudança da hora

«Eu não sei pra que é aquilo! Pra que fizeram eles esta hora?! É pra gente gastar mais luz, que agora 'en-noitece' mais cedo!»

domingo, 28 de outubro de 2012

Nova historinha

E já está, já aconteceu o lançamento do livro.
Ponto número um: foi giro. Bis. E bis ao bis anterior. Não, bis e pronto.

Assim só não chega, há que desenvolver para memória futura.

Desta vez o evento decorreu de maneira diferente, os autores foram chamados à frente para dizer umas palavrinhas. O meu primeiro impulso foi fugir, claro, não me dou lá muito bem com orações públicas, depois pensei no que tinha deixado escrito no blogue umas horas antes, que ia portar-me como uma pessoa adulta, e que não podia deixar de viver uma cena desta natureza, olha aí Gina Maria depois arrependes-te, e quando chegou a minha vez 'bora lá. Fui à frente dizer nem sei o quê. Ou sei.
Quando me vi diante de tanta gente percebi que a bem da verdade nem os via, ou via, mas mal, mesmo assim consegui distinguir uns quantos pares de olhos fixos na minha pessoa, atentos ao que eu dizia. E eu disse.
Disse que não estou habituada a falar publicamente
(hum-hum...)
gosto imenso de escrever
(pois...)
prefiro escrever, a falar
(ah, que giro...)
tanto que tinha estado segundos antes a cochichar lá atrás com o meu marido que se pudesse escrever o que ia dizer em vez de dizer...
(era uma piada mas ninguém sequer esboçou um sorriso)
ainda me lembrei de fazer mais uma gracinha: comparar o microfone ao boquê de noiva, que no dia do casório eu tremia que sei lá, mas não consegui formular a frase, de maneiras que depois despachei a coisa:
obrigada
e boa-noite
e adeus.

E acabou. No caminho de regresso pensei que ia desmaiar com os tremeliques. Mas não.

Depois pus-me a escutar os restantes autores, dois deles conheci pessoalmente ontem, embora já tivessemos contactado via email e Facebook. Gostei muito de os conhecer, são exatamente como idealizei, é porreiro quando as pessoas não me desiludem, mas eu sei que parte desse bem é meu, pois normalmente não estou à espera de coisa nenhuma de ninguém.

No final houve um último apelo a algum autor que tenha chegado ulteriormente e quisesse dar a cara. Deu-me vontade de gritar: minha senhora, deixe-me ir aí, que eu há bocado não disse nada de jeito...

Um dia de sol
ou
A cadela, eu e o sol



Miradouro dos Capuchos - Costa de Caparica, 28 de outubro de 2012

sábado, 27 de outubro de 2012

Nova historinha

Daqui a pouco vou portar-me como uma pessoa adulta e assistir ao lançamento duma coletânea onde está inserida uma história que eu criei. Vou deixar a timidez aqui em casa e esquecer aqueles medos todos que tenho vindo a confessar no blogue. Devo lembrar-me que não é a minha primeira vez... Mas é a segunda. Se calhar já devia estar habituada ao estrelato. , estou a brincar, dificilmente me habituarei à ribalta, se ademais o caminho que leva a essa luz ofuscante é longo e penoso. É o que dizem.
E agora: adeus. Eu depois conto tudo.

«Balzac dizia que os acontecimentos principais na vida de um escritor são os seus livros. Não a influência dos seus pais, dos avós ou dos filhos; não o sofrimento, nem as suas traumáticas experiências no amor ou no ódio; não a vasta biblioteca que leu,; não as suas viagens a Paris e Barcelona; não todas as românticas amizades literárias que cultivou através de cartas e garrafas de vinho e revoadas de adulações baratas. Apenas os livros que escreveu. Ponto.»

'O Anjo Literário', Eduardo Halfon.

Autorretrato

«Qualquer retrato pintado com sentimento é um retrato do artista, não do modelo.» Oscar Wilde

(Tão verdade...)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Dias de uma bloguista grafómana

Lisboa, 24 de outubro de 2012

Não é porque queira, é porque tem de ser. Vamos lá.

Uma senhora perguntou se eu teria telefone, que a deixasse telefonar ao filho – tão quarentão como eu, tendo em conta a idade dela - para ele não adormecer.
Outra senhora queria saber de uma padaria. Do lado oposto da rua, número oito. Ah, muito obrigada, viu? De nada.

Tenho outras coisas para escrever, designadamente o Novembro 2010, bem como os outros meses a seguir. Escolher textos. Fazer um livro. Integralmente meu.
Também tenho de escrever do amor. Custa...

Estou triste. Estou muito triste. Estou muitíssimo triste.

Ontem vi Lisboa à noite da varanda dum quinto andar. Não era uma vista muito ampla, talvez por a noite já ter caído, mas gostei sobretudo de ver a torre da igreja da Penha de França, o sino bem iluminado devido à luz artificial. O resto da vista, cá mais para baixo, eram luzinhas dispersas, prédios compactados, a perspetiva ilusionando a ausência de ruas e alcatrão, varandins e muros a quererem saltar-me à vista porque entretanto já os olhos se haviam habituado à escuridão.
Se pudessemos ir ao quarto do senhor doutor víamos o castelo, aí sim é que é lindo, disse ela. Que pena, então, pensei eu.

Não gosto de viajar no banco de trás do carro. Nada. Nadinha, nadinha.

Agora a luz solar é filtrada através do portão. Eu ao fundo da escada, a luz aos recortes lá em cima. A distância é curta, o fôlego também. Consigo ver se a fechadura está fechada à chave ou só no trinco. Ajuda um bocado, embora pareça que não, assim fico logo a saber se tenho de ter as chaves a jeito.

Estás toda encolhida... Hum-hum. Que tens? Dói-me as costas. Então?! Dormi mal. Ah... Acordei cedo por causa desta dor, levantei-me sem poder, cheguei aqui à hora do costume. Ah, olha, antes tivesses chegado a horas, as melhoras. Obrigadinha.
A maior prova da minha solidão é a conversa comigo mesma. Até se pode pensar que não estou sozinha, mas estou. Se estou.

O meu amigo está exigente, está, está. A prepotência é notória logo à partida. Aliás, cheira-se.

Cheira mal.

Bah, escrever uma história de amor. Logo eu. Que porra.
Amar é partilhar e eu não quero partilhar nada, não quero ninguém. Não sei fazer essas coisas bonitas de escrever amorosamente, sou capaz de sentimentos bonitos mas não os transformo bem, retiro-lhes a beleza, sugo-lhes a seiva para os ver encarquilhar, deleito-me nesse prazer. Sequer escrevo o que deve aparecer, ninguém gosta de ler o que alguém tão ruim debita na forma escrita. Ninguém, alguém, só indefinições. Bah. Raios partam quem inventou esta forma de comunicar.

Ao momento a previsão é a seguinte: nos próximos dias vou escrevendo ao sabor de coisa nenhuma, chegada a noite coloco a escória resultante dessa coisa num post, deixando ficar em rascunho dentro do blogue. Já sei que se não fizer assim, amanhã releio esta treta toda e não me parecerá bem.
Amanhã é outro dia, escreverei ao sabor de coisa nenhuma novamente, mas com a coisa nenhuma do próprio dia, à noitinha blás... E depois de amanhã, tudo igual. Quando me apetecer parar com este ciclo, publico os rabiscos duma assentada e num só post. Será o máximo, posso escrever, posso mesmo escrever, ninguém terá tempo para ler a maioria das coisas. Chamo tempo para não chamar paciência, pois pareceria pobrezinha e coitadinha, ou enfezada, raquítica e anã.

A irmã do deputado diz que lá fora ninguém pede trocos para facilitar, só neste país é que é assim. Ó 'miga, se você soubesse o interesse que eu tenho nessa questiúncula... Venha ler o que estou a escrever. Venha lá. Para o castigo ser recíproco, que assim você fica-me a ganhar...

De manhã na radio, o Ricardo Araújo Pereira disse uma palavra sui generis: minudência. E eu entontecendo a cabeça à procura de coisinhas pequenininhas, querendo chamar picarruchinho a isto e aquilo. Já sei mais uma.

Mas eu preciso mesmo de escrever?! Sim. Se não é como se me tapassem a boca.

Boas! (tardes)
Trocas-me isto? (cinco euros)
Ssssse faxavor? (gaguez ligeira)

Já almocei. O Daniel diz que eu deixo sempre um restinho de comida no prato. É verdade, creio que ainda não atingi o estágio da obesidade por passar aqui o tempo, isto tira-me o apetite. Fujo logo a seguir. Para voltar logo a seguir. Impreterivelmente. Insistentemente. Infinitamente.
Este é o pior lugar de sempre. Este é o melhor lugar de sempre. Em simultâneo, ah pois.

Estou doente. Não me dói nada. Paradoxalmente.

200100 abre o ficheiro 2001009. Tenho de dizer isto ao homem do pc, que está a chegar. Também há uma coisa parva na parte do gás. E tenho de saber como retirar uma nota de crédito dum recibo. Retirar ou inserir, já nem sei... Só faço asneiras, qualquer dia despedem-me, e com justa causa.

Cheguei do passeio há não muito tempo. Mais não fiz do que andar, ler, escrever, respirar e chorar. Vendo bem,  fiz um montão de coisas.

As pessoas de grandes olhos são tendencialmente tristes, dá-me a impressão que à tristeza está associado um olhar imenso. Os olhinhos pequeninos normalmente são mais alegres e brilhosos, detêm na menina do olho um pontinho que brilha que eu sei lá. Os olhos grandes são lagos. Lagos com cisnes, que podem ser o branco do olho, o castanho um barco a remos, húmido, expectante. Parou por aqui, não sei o que pôr no lugar do barco no caso de os olhos serem azuis, ou verdes, ou cinzentos. Oh, punha um barco pintado, claro!

Gostava de ser homem, tenho presente que se fosse macho poderia escrever tudo. Elas já nascem emporcalhadas, eles não. Há algo no cerne da mulher que lhes retira os bons predicados logo à nascença. Os homens podem escrever. Elas são lascivas mas assenta-lhes mal. Os homens podem escrever. Eles ficam bem com a lascívia fervendo lá dentro. Ficam melhores, inclusivamente. E podem escrever. Que merda. Gostava de ser homem.

Sou uma escritora do 'não escrevas', tenho medo de escrever, ando aqui a ver se ninguém dá por mim.

Não quero ir ao lançamento do livro. Não quero que leiam a minha nova historinha. Não quero estar no meio de gente que escreve.
Estas continuam a ser três verdades muito sentidas. Lamento e não é pouco. Tenho buscado o contrário sem sucesso.

Qual louca, qual quê. Não estou louca → hoje vim trabalhar; amanhã virei trabalhar; depois de amanhã virei trabalhar. Tomarei conta dos hábitos – que não suporto -, olharei e cuidarei com zelo para que não se percam.

Diz que a história das pessoas está na sua pele, principalmente se forem velhos, li num livro (O Olhar das Mulheres, Max Gallo). Não possuo o dom de descortinar isso. Sou capaz, isso sim, de ver os pontos mais salientes da personalidade dum(a) velho(a) na sua expressão. Mas às vezes engano-me. As primeiras impressões não são tão reais assim. A pessoa velha está muito marcada, e é por norma muito mais expressiva, pode aparentar fragilidade ou medo e cansaço, mas pode ser momentâneo, ou pode calcar esses sentimentos e fazer brotar o fulgor e a vivacidade. Se for tudo a fingir... Paciência.

São seis e vinte e cinco. Chove em Lisboa. A estafa termina. O dia escurece. A mulher do senhor engenheiro sai de casa envergando um casaquinho curto cor-de-laranja. Meto-me com ela, digo que está a desafiar o tempo com essa cor tão lustrosa e primaveril. Ela diz que tem de ser, tem de ser. É parecida comigo: repete-se. Quando se aproxima cheira-me a pinho. Eu vendo disso aqui na loja, anti traça com odor a pinho, como se numa mata a gente estivesse. Tão bom. A combinar com a chuva e tudo. Há melhor cheiro que o da terra molhada pela chuva?


Lisboa, 25 de Outubro de 2012

Loures, 6:30, despertar espontâneo e antes da hora outra vez, penoso outra vez, dói-me as costas outra vez;
7:30, chuva com abrandamentos de intensidade, cadela chegada do passeio matinal, encontra-se num frenesim, língua de fora querendo lamber-me as mãos, e lambendo-as efetivamente, grande cumplicidade entre nós.

Temos de perder a vergonha se queremos escrever. Temos de assentar nos papelinhos os assuntos que ocorrem na nossa cabeça, independentemente de alguém nos estar a observar.
Estamos a escrever na segunda pessoa do plural mas não sabemos o motivo de tal desordem, quiçá distúrbio psicológico. Nós gostamos de tudo quanto seja pertinente à psique e achamos que somos muito dinâmicas e possuímos uma avidez tamanha pelos motivos e razões para tudo o que sentimos. Vamos parar de escrever assim para trabalhar um poucochinho. Daqui a nada voltaremos à escrita para dar azo à criatividade literária que possuímos... Quanto baste.

Ontem à noite custou-me horrores não publicar as minhas coisinhas. Ficaram lá, dentro do blogue, em rascunho, sem leitores. Do facto de não ter leitores não retiro benefícios de qualquer espécie, na verdade comecei com isto de escrever debaixo da inspiração de coisa nenhuma por uma caturrice, tenho dias ou momentos em que não quero ser lida, porém a necessidade de fazer registos é imensa e incontrolável. Já que comecei com este diário, termino-o.

Tu não gostas de ler, disse eu ao homem da cafetaria quando ele brincando disse que doravante apenas receberia os pedidos por escrito. Antes tinha argumentado que não sei o nome dos bolos, como é que me safaria? Podia descrevê-los (seria um prazer) mas ele depois não ia ler...

No livro que ando a ler ('O Anjo Literário', Eduardo Halfon) alguém referiu que a feitura dum diário é a coisa mais ridícula que existe. Discordo, não é nada, homessa! Escrever é escrever, pouco importa o quê ou acerca de quem. Podemos apontar a vida das outras pessoas, claro, para nos distanciarmos, mas mesmo assim faremos a coisa à nossa maneira. O ego não se afasta do que escrevemos. Nunca.

Hoje é que as minhas patacoadas estão a ser inspiradas por coisa nenhuma. Onde anda a musa d' ontem, pá?!

No livro que ando a ler ('O Anjo Literário', Eduardo Halfon) diz que um anjo nos relembra o que já esquecemos para assim podermos escrever tudo o que já nos lembrámos anteriormente. Bem hajas, ó anjo, que bem-aventurada existência!
Sei que existe algo assim, pode ser um anjo, pode ser uma musa, pode ser outra coisa no campo da espiritualidade, desconheço a sua especificidade, mas existe, que eu sinto-o cá dentro aos pulos. Se o sentir for ilusão do meu pensar... Marimbo.

Ela arrasta os pés como se uma grande força de gravidade lhe estivesse apoiada nos ombros, como que não querendo viver. Quando chega das compras, extenuada, arruma tudo nos devidos lugares. E, antes de finalmente descansar, estica todos os sacos vazios e engelhados, dobrando-os em oito partes, quatro dobras, portanto. É tão primorosa, esta senhora, eu bem vejo. Depois de tudo ainda arruma os saquinhos num recipiente próprio para esse efeito que tem na despensa.

Dava-me jeito que o tal anjo aparecesse agora. Neste segundo. Vá lá, preciso de ti, 'migo. Sei que tenho memórias nos confins. Ajuda-me.

Se já alguém me encorajou a escrever? Já. O Luís. Ele sabe disto tudo, do blogue, do meu gosto pela escrita, do quão preciosos são para mim. Mas não vem ler, raríssimas vezes o faz. Diz que me bloqueia a criatividade se assim fizer. Dói um bocadinho este abandono e aparente desinteresse pelas minhas criações, bolas pá, nem o Luís vem ler... Mas ele tem razão, existem certos temas nos quais não entraria se soubesse que ele havia de ler as minhas incursões literárias.

O lugar da musa hoje está com uma música de fundo mais ritmada que o costume.

Que não me encolha perante uma senhora assim. Ela é alta mas tímida, duas características díspares que me transmitem conforto. Conforto muito bem-vindo, posso dizer.
Tem nas mãos um guarda-chuva com um padrão cheio de classe. Não percebe nada disto aqui, só quer algo que pesquisou na internet para retirar os maus cheiros dos canos: cloro. Cloro não tenho, aconselho ácido ou lixívia. Mau conselho, disso tem ela lá em casa, mas para se certificar telefona a alguém. É o amor dela, trata-o por 'meu amor' e depois chama-lhe você.
'Ah, você acha que há ácido lá em casa? Hum-hum... Sim, meu amor, eu espero por si naquela esquina do toldo verde, bebo por lá um café. Sim, meu amor, quando estiver quase a chegar, telefone-me.'
Que cena... Por entre a conversa ri-se timidamente, em gargalhadas pequenas, meio soluçadas, reparte-as desigualmente, dirigi-as ora ao amor dela, ora a mim. Para mim são poucochinhas, claro. Olho-a sem medo, noto que está embaraçada por ter conversas particulares frente a uma estranha, desvio o olhar. Pede desculpa pelo abuso, retribuo com um sorriso e um 'não faz mal, esteja à vontade'.

Mentirosa. Agora sou mentirosa. Dantes também era, só por dizer que não escrevia e agora escavaco-me toda para descobrir as verdades... Que esmiuçadas se viram do avesso. Mentiras e mais mentiras. Um problemão. Dantes não escrevia, por isso estas questões não me impediam de ser feliz. Escrever embruteceu-me e mostrou-me um negrume que eu não sabia que tinha.

Estou a ser fortemente influenciada pelo livro que ando a ler ('O Anjo Literário', Eduardo Halfon). Já ontem tinha dado por isso. Olha a sinopse:
«’O anjo literário’ é uma pesquisa apaixonante sobre a literatura e o processo criativo dos autores. Um livro que não é simples de catalogar, um género híbrido, entre a ficção, o fragmentário, a recolha de contos, o ensaio e a entrevista, e que oferece um mosaico sobre o arranque literário de numerosos escritores, ao mesmo tempo que vai descrevendo e registando de forma reflexiva o próprio processo da sua escrita.»
Nota: foi a Redonda que mo ofereceu.

Natureza.
A montanha é-o no sentido lato se estivermos afastados. A bem dizer, quanto mais afastamento houver mais montanha há para nós, mais a sua grandeza se nos mostra.

Hoje estou muito dada à segunda pessoa do plural. Estou, estou.

Natureza.
A brisa ligeira é um vento sigiloso.

Duas e cinquenta da tarde. Em Lisboa a chuva desabou em pingos grossos. Abri o chapéu-de-chuva carregando num botão que acionaria o mecanismo (modernices!) e um bando de pombos levantou voo repentinamente ao som do bôum! do meu chapéu. Grande susto, pobres bichinhos.

Do diário. Dos diaristas. Presumo que o leitor esteja cansado deste texto em forma de pequenos posts mas sem título. Fragmentado, por assim dizer. Ler diariamente um bocadinho dum diário acerca da vida desengraçada duma diarista leva-se bem, ler duma só vez um texto com metro e meio de comprido por vinte e dois centímetros de largura é tremendamente aborrecido. A sério. Mesmo a sério. Sei o que estou a afirmar. Estou convosco, caros leitores, isto que estou a fazer há dois dias consecutivos não se faz, não existem leitores tão benévolos assim. Mas eu gosto de violar regras comportamentais, principalmente em questões de escrita.
Pois bem, paro por hoje, regressarei amanhã. Mas vós, se quereis continuar com a leitura... Força nisso, é já aí abaixo, estareis lá num segundo.

Lisboa, 26 de outubro de 2012

Acordei bem melhor, obrigadinha. Agora dói mais abaixo, mas menos. Se eu soubesse que a língua da minha cadela me curaria, deixava-a lamber à vontade, ali naquele sítio, no pontinho específico, no fulcro, no cerne da dor.

Nunca pensei sentir isto → estou doente. Há algo na minha cabeça que me segura os movimentos, me domina o corpo, me suga o ânimo, creio que as dores que sinto advêm da parte psicológica.
Tenho medo de escrever estas coisas doentias, tenho medo que se intensifiquem de tal modo que me imobilizem abruptamente, dá-se para aqui um nó que ninguém desatará. O escrever às vezes faz-me isso, engrandece-me o pensar e saem-me estas monstruosidades.

Não sei falar inglês, 'migo. No português vou-me safando, agora inglês... Não.

É por causa das folhas secas. Se não fossem as folhas no chão, o mundo não estava assim, tinha outras cores, vivia-se doutra maneira. Para quê caírem folhas?!

Das palavras de difícil articulação.
Tenaz em vez de pinça. Tenaz é muito diferente de pinça. OK, menos uma para me atazanar.
O quê em vez de fundida?! Dizer fodida é uma chatice... Depois ninguém entende, lá vai tudo a fugir daqui, e vender é primordial e deveras necessário.
Confundida é outra coisa que me avassala cá por dentro, mas pouco, digo confusa e pronto, siga a vida.
Dizer avariada em vez de fundida é mau, uma lâmpada não se avaria, uma lâmpada funde-se. Mas não se fode. Não fora um objeto e seria uma lâmpada infeliz, a pobre. E dizer que se romperam os filamentos, e portanto não há circuito, que tal?

Já lá fui eu. Já lá foi ele. Já lá foi a filha dela. Ela precisa de aprender a abrir aquela porta...

Foi com o Minotauro que aprendi a regra da verdade. Umas vezes curioso, outras arisco, ele era alguém cheio de cortesias em contrabalanço com uma aspereza difícil de aguentar. E assim me habituei às minhas verdades, inconsequentemente. Com riscos mas sem infortúnio, que eu sou uma mulher cheia de sorte.
Sim, o meu Minotauro existe, obviamente não se chama assim mas eu cognominei-o dessa forma por um motivo ultrassecreto. Minotauro é alguém específico, um ser feito de carne e emoções, que dificilmente encontrará este blogue, e se hipoteticamente encontrar, e vier a ler este nicho de palavras, nunca perceberá que é a ele que desvendo.

Escorrendo o tempo, o Sipipú passou a ser amiguinho da gente aqui. Fala comigo e tudo. Amoroso, este bicho.
Entretanto adquiriu outras formas, mais complexas, mas sempre esquisitas e indecifráveis. Sempre vou evoluindo, ?

Isto aqui é só gajos, pá! Sim, o género masculino apela-me de sobremaneira, não tenho qualquer tendência homossexual.

O que a Redonda me disse acerca do meu escrever.
Primeiro: certificou-se de que eu não faço muita divulgação do meu blogue → não, não faço, não senhores, contudo não me escondo, marimbando para o anonimato, e se eventualmente não marimbo tanto assim é para manter o anonimato doutras pessoas, nunca o meu, mas deixo-me estar no meu cantinho sem dizer 'olhem lá, eu estou aqui, presente e saliente'.
Segundo: disse que se eu divulgasse o blogue, a maneira como escrevo atrairia muitos leitores.
Terceiro: disse que há dois tipos de escritores, os que escrevem dum modo encapotado, escondendo-se atrás da escrita, como se estivessem fora das histórias que criam, e há os outros, os que abordam os temas de forma concreta, sendo que pertenço a este último grupo, referiu, e ela gosta muito mais de ler os textos de quem escreve diretamente.
(Obrigada...)
Sei que estou atolada em egolatria, transbordo o ego escrevendo assim, é um exagero este expor copioso, mas é tão raro ouvir alguém debruçado sobre o que apresento no blogue que não podia deixar de fazer este registo. Ademais, foi-me dito oral e presencialmente, o que é um acontecimento puramente feliz na vida desta que escreve.
(Viste como cheguei à pureza que foi um instantinho?)

Problema passageiro. Tenho um problema com as pessoas que conheço.
Problemão. Tenho um problema com as pessoas que não conheço.

Acerca do palavreado enigmático anterior: amanhã é o lançamento da coletânea. Tenho medo das pessoas que vão lá estar. Tenho medo de me dirigir a elas. Tenho medo de falar para elas. «Aquilo» vai acontecer não tarda muito. «Eu» vou estar lá. Tenho medo de falar acerca do lançamento às pessoas que conheço. Tenho medo de falar. «Aquilo» vai acontecer, a hora chegará. «Poucos, menos ainda» vão estar presentes.

Aqui estou eu. Garatujando, garatujando, garatujando. Confabulações e mais confabulações. Esperando ardentemente que me leiam, que ouçam os meus gritos de dor e raiva, que escutem as minhas paixões e se deleitem, que leiam até ao fim, mas depois de isso acontecer deixem-me em paz, por favor. Não me digam nada, por favor.

Ainda agora começou a tarde e já escrevi isto tudo. Pode ser que durante o que resta da tarde haja muito que fazer e esta seja a última confabulação.

Quero agora acrescentar, não vá aparecer uma multidão de clientes que me impeça a escrita, que todos os textos dos últimos três dias foram efetivamente escritos e revistos no próprio dia, as ocorrências descritas em alguns desses textos poderão não pertencer ao dia corrente mas a feitura dos mesmos pertence.

Sei porque escrevo
mas não sei para que escrevo.
O motivo pode ser o mesmo
mas não é,
porque eu escrevo por necessidade
e escrevo sem utilidade.

Arranja-me um docomentozinho? Arranjo, sim senhor. Um que preste...? Sim, arranjo-lhe um documento prestável. Ora bem, é isso que eu quero.

Elementar, 'migos. De salientar que material «pa estores» não tem nada a ver com pastorícia, eu é que navego por ondas literárias, idealizando e compondo frases, e depois ouço o que ninguém disse: «pa estores» → «pastores».

Sonhei que retirava cera dos ouvidos. Em grandes doses, vinham bocados enormes desse sebo dourado e peganhento agarrados ao algodão dos cotonetes. Parecia que se me estava a sair toda a merda que tenho dentro da cabeça...
Curiosamente, recordei este sonho quando de manhã ouvi na radio a rubrica 'Traquitanas' do Nuno Markl, uma dessas hoje foi sobre cotonetes. Não tivesse ouvido esta rubrica e não teria recordado o sonho. Obrigadinha, 'miguinho Nuno.

Agora me lembro: eu podia muito bem ser uma Bond. Note bem: não uma Bondgirl, que a idade e a estrutura óssea (tanto em altura como em largura) não ajudariam, mas uma zero-zero-sete, um papel principal doutra película qualquer. Digo isto porque o secretismo está-me intrínseco. A parte de me racharem os cornos é que era pior... Ora, fizessem uma película sem rachas!

Esta estafa imensa que agora termina foi a solução que arranjei para o cansaço que em certas alturas a exposição em demasia me provoca, sem abandonar o ato de escrever. Sou grafómana, certo?! E como grafómana me despeço por hoje, dizendo que não escrevi tudo...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Fruta é um alimento que faz bem à saúde

O marmelo é uma fruta que cheira melhor cóque sabe.

A frase acima tem uma espécie de vocábulo mal escrito, bem sei. Uma maneira de fazer os leitores saber que eu sei, seria cobrir o mesmo com a famosa inclinação itálica. Mas eu não gosto de ler em itálico, parece que as letras estão engelhadas, ficam velhas e retorcidas, uma dificuldade horrenda para mim, logo... Dá-me a ideia que os leitores também não gostarão. E o marmelo é um fruto que cheira melhor cóque sabe.



Loures, 23 de outubro de 2012

Já pouco tarda

Quando ele me disse que me sinto sozinha porque não me dou com gentes das letras, e lhe respondi: 'hum, ok, então vou para onde?'...
Pois bem, não tarda chegará o momento em que poderei maravilhar-me presencialmente com a classe literária, bem como relacionar-me, tirando partido do quão vivaz pode ser um encontro de gente que escreve ou apenas rabisca.
Não me irei sentir dentro da dita classe... Mas siga a vida.


Diz que é uma espécie de convite...


Num dia já não muito distante acontecerá o lançamento da próxima coletânea de contos. E eu lá no meio dos autores, pois claro.

Local: Fábrica de Braço de Prata
Morada: rua Fábrica de Material de Guerra, nº 8, 1950-128, em Lisboa.
Data: 27 de outubro de 2012
Hora: 20h:30m

Convido os leitores a presenciarem o lançamento desta obra que retrata coisas horríveis e/ou impossíveis, medos e afins. Apareçam!

Sem

Encontrei pela blogosfera um texto mal produzido. Era um texto entendível, sim senhores, esse primórdio estava lá, mas o texto estava mal construído, com um emaranhado de frases sem aprumo ou rigor.
Através dessa leitura vi uma pessoa romântica que não soube transpor o sentimento para um texto com qualidade literária.
Muito embora eu não seja – nem tenha sido alguma vez... - romântica, a verdade é que me lembrei dos meus primeiros tempos de bloguista, em que a aventura principal era escrever. Escrever e apenas. Primordialmente, lá está.
Não sinto que hoje escreva bem e tal, mas há meia dúzia de anos atrás escrevia, seguramente, mais mal e assim. Quiçá aconteça o mesmo a esta bloguista... Continua 'miga, a esperança não é vã.

Agora e sempre

Cinco da tarde. Ar nos pulmões, vento na cara. A mulher da carrinha da fruta está de acordo com o hábito, tem no olhar o ódio visceral do costume e apresenta-se no lugar de sempre.
A história podia ser o motivo do ódio. Podia.

Indecisão

Estou em cuidados, não sei se escreva as coisinhas do costume, se me dedique à outra historinha, se me ponha a catalogar as fotos da última viagem...

Caldas da Felgueira, 6 de outubro de 2012

Conversar

A senhora é daqui?
Sabe se há algum Continente ou Pingo Doce por perto?
Não é da zona?
Ai não é da zona, não?

A senhora vive aqui?
Tem emprego?
Não conhece ninguém que esteja à procura de empregados?

Venha cá, sente-se aqui!
Sempre fica mais cómoda.

Sinto-me um bocado isolada e distante mas não sei conversar com quem conversa gratuitamente comigo.

Cinquenta euros

Ontem achei cinquenta euros em cima do balcão, quando dei por isso ali estava ela, rente ao abismo, uma nota de cinquenta euros mal dobrada e esquecida. Encontrei este monte de dinheiro sem andar de cornos no chão.
Apareceu o dono. Infelizmente. Pois é.
Hoje achei cinco cêntimos no chão, tenho a mania de andar na rua com os cornos para baixo... Mais à frente achei dois cêntimos, não me dobrei para os apanhar porque vinha um senhor mesmo atrás de mim e... Era chato. Ou esquisito. Ou inconveniente.
Conclusão estúpida: levanta os cornos, Gina Maria. Vá. Um dia aparece alguém que não sabe onde perdeu o dinheiro, logo... Blás.

Beijos e abraços

A minha vida mudou. Agora, quando a família francesa deixa cumprimentos para nós lá de casa... Inclui a cadela.

Telefones

O meu colega chamou-me à loja dele, que estava lá o senhor da operadora, para eu levar o meu telemóvel a ver se o caso das atualizações ficava resolvido. Fui até lá e depositei o meu (para mim demasiado sofisticado) aparelho nas mãos do homem e ele pôs-se a mexer na máquina em silêncio. Eu por mim muda fiquei. O meu colega falava animadamente ao telefone com um fornecedor.
A dona Petra aparece à porta com ar de quem vai pedir um favor. Pede, pergunta se sei mexer em telemóveis, o seu desligou-se e ela não consegue ligá-lo. Anuo e estendo a mão para o telefone jurássico da dona Petra. Ela alerta-me para o botão vermelho, costuma carregar ali mas o telefone hoje não se quer ligar, não sabe o que se passa.
Quer o código? - Pergunta ela. - Se quiser também lho dou!
O senhor da operadora continua clicando em silêncio no meu telemóvel. O meu colega continua ao telefone com o seu fornecedor. Falando alto, gesticulando.
Consigo ligar o dinossauro da dona Petra, que me dita o pin.
O senhor da operadora e o meu colega estão no mesmo estágio, ainda.
Dona Petra oferece-me os seus agradecimentos e à laia de desculpa refere a velha história: mas que maçada, para ela os telemóveis são só para ligar ou atender.
Senhor e colega: na mesma.
Rabisco umas coisas; noto o desfasamento da cena: um perito em software de telemóveis atualiza o aparelho duma cliente afastada desses saberes enquanto a mesma, parecendo perita, se dedica a ajudar alguém distante dum software obsoleto.

Tá mau. Tá, tá. Uma vez fiz greve. Disse que as condições não me agradavam e saí do local sem mais explicações. No dia seguinte regressei, encontrando tudo igual. Tanto que no fim do mês recebi o ordenado intacto, apesar da rebelião. Tá bom.

Sonho

Sonhei que tossia descontroladamente, tinha uma farfalheira ruidosa e sentia-me malíssimo.

Profissões

A mais bela: professor

A maternidade ensinou-me a caprichar nos métodos de ensino, levando-me a perceber que nem sempre eram os melhores, daí tirei a conclusão do quão louvável é esse ofício.

A mais contestada: cozinheiro

Ora bem, toda a gente, mal ou bem, faz comida. Logo, todos têm algo a apontar e normalmente não fariam assim. Ou põem os alhos antes da cebola, ou os tomates só depois do não sei o quê, ou os pimentos mesmo no final, o arroz lava-se, não se lava, fermento para quê, não ponhas tanto açúcar, deixa estar a pele das avelãs.

A mais inglória: doméstica (remunerada ou não)

Nos últimos tempos, por causa da cadela, tenho vincado bastante a ideia já em mim presente há muitos anos: não se dá valor à limpeza da casa. As pessoas ficam muito espantadas com o meu desplante: agora que chegou o frio não passeio a cadela à noite, mas limpo os pelos do chão da casa, limpo até mais não, aquilo não se dá acabado! As pessoas não valorizam esse esforço... Eu devia era ir passear a cadela, qual frio qual quê.

666

Este é o post apocalítico. Também pode ser o post da besta, não andará nada longe da verdade.

Lembretes

«Para o teu romance, escreveu-me, se me permites que chame já romance ao embrião que me descreves, ocorre-me o caso de Garcia Márquez, em Aracataca, a ler Kafka, no México, a ler Rulfo, em Paris, sem um centavo, a escrever a sua obra-prima. Também Juan Marsé. Sempre me pareceu interessante porque é que um tipo tão novo e bruto do bairro de Guinardó cai numa coisa tão sofisticada como ler romances e, sobretudo, escrevê-los. Logo pensarei noutros. Um anjo literário, então? Walter Benjamin disse que um anjo nos faz recordar tudo aquilo que esquecemos. Talvez.»

«Diz Eudora Welty: Escrever relatos de ficção despertou em mim um respeito reverencial por tudo aquilo que é desconhecido numa vida humana e certos indícios de onde ir buscar as chaves, como continuar, como ligar, como encontrar, num emaranhado, qual a linha clara que persiste. Estão lá todos os fios, todos os cabos: para a memória, nunca há nada que se perca realmente.
Certo, um anjo recorda-nos tudo aquilo que esquecemos.».

In 'O Anjo Literário', Eduardo Halfon

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

...

Está tudo escrito.
Creio firmemente que os escritos d' hoje são bem bons. BB.
Convém acentuar que não estou a ser irónica.
A verdade não existe.
Se a leitura puder ser prismática...
É?!
Se os escritos forem lidos sob o prisma telegráfico...

...

Toda a arte é inútil, foi Óscar Wilde quem disse primeiro.

Sou mesmo artista. Tudo o que sei fazer extremamente bem é inútil, cheira mal ou engorda.

...

Amo-te → é um assunto estéril. Está tudo dito. Escrito, quero eu dizer.
Tenho de escrever sobre o amor. Não dissertar. Não. Eu tenho é de escrever um discurso como se fosse dar uma palestra a uma legião de ávidos ouvintes. Pois se levar em conta o tamanhinho picarrucho das duas historinhas que já publiquei em livro...

...

Pragmatismo. Também me passeio por aí algumas vezes. Hoje é um bom dia para morrer. Está calor, a prole está quase acabada de criar, tenho teto e entes, estou apta. O melhor de tudo era deixar um emprego muito bom e desejável para fazer alguém feliz.

...

Há quem se vista pior. Tur-tur. Sapato turquesa com biqueira aberta, meia turca espreitando onde não há sapato.

...

Sinto saudades do que não vivi. Não sinto saudades daquele tempo em que.

...

A loucura é fêmea. A persuasão não é para mim. Pronto, vai-te lá embora, se não me queres.
Já a convidei a entrar, a morar comigo, mas ela não quer. Abro o coração. Todo, todo. Escarrapacho-me. Mas ela recusa. Este limbo dá cabo de mim.

...

A cabeça boa é-o porque corrói as cabeças próximas. A cabeça boa é-o porque suga as partes carnudas das outras cabeças que andam por aí.

...

Desleixo. Saiu de casa com restos de verniz nas unhas e sem anéis. Tem dedos. Dez, nas mãos.

...

A do diário passou na rua. Posso ver a rua, agora me lembro que os leitores poderão não saber do feliz facto. Para quem não sabe: trabalho num local de onde se vislumbra a rua.
A do diário tem olhos azuis. Podia dizer que é gorda, é um predicado mais vistoso. Mas não.

...

Força maior. Tenho de escrever nesta folha. É a última desta cor.

Tenho um amigo...

Tenho um amigo novo no Fuçasbuque. Eu é que fui a destemida, pedi-lhe amizade. É um senhor que em tempos andou aqui a tirar fotos aos estabelecimentos da rua, inclusivamente falei dele no blogue nessa altura.
Por coincidência o homem ontem fazia anos. Li o seu post de agradecimento aos amigos do Fuças. 'Obrigado aos vezinhos, a quem me dêo os parabens', escreveu ele. Tão fofo.

...

Resposta a horas. O que me move é o dinheiro. Pois. Que mais?!

...

Manga curta. Três e tal da tarde. Não sei quantos graus. Aguardo que a radio me dê notícias conclusivas no sentido da temperatura ambiente. A radio pode ser muda.

...

Ramerrão. Todos os dias são iguais. Estou sozinha. Siga a vida.

...

Gosto de acrescentar. Eu não nasci assim diferente.

...

Queria ser como o texto. Fazer como no texto. Da página tal do livro assim-assim*. O autor descreve uma cena em que um escritor está numa mesa de café escrevendo no bloco azul, inserindo no seu conto as pessoas que entram nesse espaço público. Termina o conto. Fica vazio e cheio. Fica feliz e infeliz.

*'O Anjo Literário', Eduardo Halfon

Movimento

Questão d' apreço → O que me move.

...

Eu.
E eu.
E depois eu.
E ainda eu.

...

Ah, casar... Já tive esse sonho de menina, já. Agora o que eu quero é juntar os trapinhos.

Sonho

Sonhei com pessoas e acontecimentos e prazeres inconfessáveis, é que nem a latitude posso confessar. Mas não foi propriamente um sonho bom. Sonhou-se...

...

Vinha comprar fita dupla-face esponjosa e trazia a camisola do pijama vestida por baixo de um casaco corta-vento, que o dia hoje está assim como que mais ou menos quente.

O senhor professor. Bom-dia, senhor professor. Passou bem, senhor professor? Vem beber o cafezinho, senhor professor?

Não, um penalti de tinto e um prego bem passado.

Ler livros que regram ou aconselham a forma de escrever é construtivo e acalentador. Há uns anos li um que instigava fortemente o escritor a escrever, mesmo sem inspiração, mesmo que não lhe saia texto algum, mesmo que lhe pareça impossível escrever uma só palavra.

Então, sendo assim, vou ali escrever e já venho.

domingo, 21 de outubro de 2012

Sábado;
Domingo

Sábado

Primeira foto:

A minha hortelã tem-se dado bem com a chuva dos últimos dias.

Segunda foto:

Momento repousante e feliz.

Terceira foto:

Bonecada à janela; roupa estendida; solo húmido.
Minutos antes tinha ouvido a vizinha de baixo ao telefone dizendo que há alguém revirando-se na campa. Achei tenebroso. Bolas, alguém vivo dentro duma urna deve viver o inferno antes de morrer.
Minutos depois cantava a Jennefer Lopez a plenos pulmões numa outra janela que não se vê na imagem enquanto eu dançava escondida pela roupa que pendurava nos estendais de dentro da minha varanda.

Domingo

Quarta foto:

São bolachas de gengibre, cuja receita retirei do programa Barefoot Contessa no canal Food Network. 
Ao preparar as bolinhas que dariam as bolachas esmoreci com a densidade da massa, deu-me a ideia de que depois de cozidas ficariam semelhantes a pedregulhos de tão rijas. Mas não. Foi uma ótima surpresa e uma receita a repetir um dia desses.

Peneirar 2 chávenas de chá de farinha, 1 colher de chá de fermento em pó, 2 colheres de chá de canela em pó, 1 colher de chá de gengibre em pó, 1/2 colher de chá de noz moscada, 1/2 colher de chá de sal fino.
Bater 1 chávena de chá de açúcar mascavado, 1/4 de chávena de chá de óleo, 1/3 de chávena de chá de melaço.
Juntar um ovo e bater.
Juntar os ingredientes secos e peneirados e ligar muito bem.
Formar bolinhas com a massa, envolvê-las em açúcar branco e espalmá-las. 
Colocar num tabuleiro forrado a papel vegetal e levar a meio do forno durante 20 minutos

Quinta foto:

Altura em que interrompi a azáfama de tratar da mudança das roupas por causa da porra do frio já ter aparecido por aí. Atentai na cadela, também ela atenta à objetiva...

Sexta foto:

Eu. 
Confesso que a ideia primária era disfarçar esta imagem por causa das evidências não evidentes para alguns. Mas mexi tanto ou tão pouco no Picasa que o que fiz foi pô-la cores berrantes. Podia publicar a foto virgem, pois podia. Mas não.

Sétima foto:

Olívia no Parque das Nações, com o Tejo em maré muito baixa como pano de fundo, numa Lisboa linda e cinzenta. E sem frio. Muito importante a ausência do frio.









sexta-feira, 19 de outubro de 2012

23:12

Ora bem, o dia termina não tarda. Por aqui anda-se melhor, obrigadinha. Hoje escrevi (mais) umas coisitas… Nada de grandes asneiradas, assuntos leves, sem grandes ondas para não molestar os leitores, escrevendo pianinho e rasteira.
Muito bem, muito bem, Gina Maria. Vamos a isso, vá, não te estragues.

À noitinha

De manhã ouvi na radio que hoje é o dia do guarda noturno. Ora bem, o guarda noturno da área é um bocado esquisito.
A começar pelo nome, tem nome de bicho. Bicho.
Continuando, é um elemento muito... Elementar quando quer contar uma gracinha.
Para finalizar, não se retira nada. Nem eu consigo retirar nada daquela existência, e se sou boa nisso de esventrar o poucochinho e fazer sair de lá algo grandioso...

Pensamento

Seguramente...

… As pessoas são livres de calcular; supor; idealizar; pensar; imaginar; fantasiar.

… Sou uma pessoa dessas.

Dias de um Ginásio

Daqui a pouco vou ao Ginásio. Espojar-me no colchão, uma perna dobrada à frente para alongar o glúteo, outra esticada para trás para alongar a bacia, braços estendidos lá à frente, ao máximo.
Tudo tão esticado, tudo tão estendido, tudo tão alongado... Que posso beijar as mamas. As minhas, pois.

Números

Há um senhor que passa na rua várias vezes por dia. Tem um ar de números na expressão que é qualquer coisa de espantoso. Parece um oito na horizontal. Não sei explicar porquê. Talvez os óculos dele me tenham levado até esse pensamento, ou então o seu ar carrancudo e marcado.
Dizem que fede, que não se pode estar ao pé dele. Folgo que só o veja ao longe, nesse caso.

Bicos

É melhor tirar uma fotografia aos bicos...

Lisboa, 19 de outubro de 2012

Doce

Lisboa, 19 de outubro de 2012

A imagem do pacotinho de açúcar é só para ilustrar a seguinte frase: comprei um saco de pasteleiro lavável com uma data de pontas dos mais diversos feitios.

O rico filho...

… Está doente. De manhã, antes de sair, fui apalpá-lo para me certificar se tinha febre. Não tinha. Deixei-o estar a descansar, sei que não tem dormido bem. Mais tarde liguei-lhe.
– Estou melhor.
Disse ele, quando lhe perguntei p'las dores. Contei-lhe do apalpanço.
– Não tinhas febre.
Awesome.
Responde ele meio aliviado, com aquela voz de trovão ribombante e tenebroso.
Os ricos filhos têm ambos uma inclinação imensa para os inglesismos. Ou é da geração, ou é da idade, ou então não sei, será outra coisa qualquer.
Para rematar: o que realmente interessa é que o rico filho melhorou. Siga a vida.

Altura

Em certa altura deste dia, pela hora do almoço, ouvi o António Sala falando num anúncio publicitário na tv, divulgando um oitocentos e oito qualquer com aquela voz maravilhosa e dicção perfeitas que ele tem. E eu com a boca cheia de pastel de bacalhau...

Dores

A dona Adelina ontem à noite esfregou uma pomada nas vértibas do bescoço e esta manhã acordou sem dores, tanto que quase correu ao vir para aqui.

Desenho

Lisboa, 19 de outubro de 2012

A rica filha veio à loja. Para se entreter fez um desenho. Diz que desenhava melhor quando andava na primária. Perguntou se eu percebia a profundidade da obra, por entre gargalhadas. Entrei na onda cómica e comecei a declamar:
– Temos ao longe as nuvens e uns raios de sol... E chuviscos... e em evidência um vaso gigantesco... se compararmos o tamanho do boneco...
– Mãe! É o Polegarzinho! Não te lembras que ele saíu duma planta?


Disfluência

Devido às ciências linguísticas da rica filha, perguntei-lhe como se chamava a dificuldade que algumas pessoas revelam na articulação. Diz que é disfluência, a aspirante a linguista.
Achei o próprio vocábulo uma afronta aos infelizes da língua, que as deficiências são sobretudo nos ésses, nos éles e nos éfes.

O sonho

Sonhei que eu e o meu colega tínhamos sido atacados na loja dele. Mas eu cá não fui de modas, agarrei num ferro que havia por lá e sempre que havia investida do inimigo eu estendia o ferro direito a ele, o que o fazia estatelar-se no chão desgovernadamente e depois toca de lhe dar com o ferro onde conseguia.
Contei esta aflição ao meu colega, que logo perguntou:
'Então e eu? Não me digas que me escondi com medo?'
Disse-lhe que não apareceu mais... Safei-me sozinha. Mas na vida real ele não se pouparia a esforços para me defender, esfalfar-se-ia até mais não, estou convicta disso.

Palavrinha

Se existe somenos será que existe o contrário: somais*?

Descobri (outra descoberta) que o meu amigo Priberam não se me mostra na totalidade, comigo é tímido, talvez funcione em pleno apenas para membros do clube. Ou seja: se não me aparece alguma palavrinha, o melhor é pesquisar a palavrinha diretamente no Google, aí aparece um linque com a dita...

* Não conclui grande coisa. Ver aqui.

Olá!

Bom-dia, são dez da manhã. Acabei de descobrir que tenho as calças descosidas num sítio invisível. Essa invisibilidade transforma este evento espetacular... Numa questão de somenos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Esperando a piza...

Aguarda-se sempre alguma coisa. Por mim podia vir o cataclismo, que me está a fazer imensa falta. Mas ele que chegue só depois do jantar, quero comer piza.

Aquelas pessoas minhas amigas

Tenho muitas pessoas que são aquelas isto e/ou aquilo e amigos(as) à farta, espalhados pelo blogue, pululando a cada clique. Nenhum(a) é realmente amigo(a) ou aquela pessoa, nem eu sou assim.

Tenho um amigo...

Tenho um amigo que diz que o seu ar natural é sisudo. Sempre sidudo, tu? Discordo. Ele repete-se. Discordo novamente. Ele diz que quando está a sorrir não está no seu estado puro.
Deixa-te disso, vá - digo-lhe eu – passamos a vida a fingir mas tu não finges lá muito bem...
Se ele sorri é porque lhe apetece, a sisudez faz prova disso.

Amarelo

A árvore amarela ainda tem verde, mas pouco.
Podia tirar uma foto, mas não.
Ainda é cedo.
Quero a árvore totalmente amarela.
Quero um dia de sol.

Demodé

Tive um casaco daqueles, há vinte anos. É de napa, com grande enchumaços e preguinhas na cabeça das mangas, formando um volume imenso.
Não tive uma saia daquelas, nunca quis. Aumentar-me-ia o volume das ancas, que é o que os bolsos laterais fazem...
Apresentei o invólucro.
O recheio, esse, pergunta à livreira se tem o livro tal - não tem - quando vem, então?, numa voz de desenho animado.

Arrastão

Há um que arrasta os pés. Fico a vê-lo sem ligar ao resto. Ultimamente não sinto pudor, que se lixe, marimbo para o resto.

Como uma criança me sinto

Ena tanto livro... E eu que nunca tinha reparado nisto: o lugar da musa tem umas prateleiras deslizantes que deixam ver livros e mais livros lá atrás. Ali estão muitos mais livros do que eu supunha.

Mas eu sou uma criança que se passeia apenas pelo interior.

Minutos depois vislumbro uma senhora pindérica que se detinha junto a umas fotos expostas. Exclamou 'olha, este senhor é meu amigo!' com tanta alegria que deu pena, pois como se sabe, ninguém liga a pindéricos, todos os livreiros mantinham com a dita senhora aquela postura – que conheço de sobeja - de pacientemente impacientes.

Mas eu sou uma criança que não exterioriza as infantilidades a qualquer um.

Preferência

Prefiro livros de autores sem muita – ou mesmo nenhuma – fama.
Para começar são mais baratos.
Para acabar são igualmente bons.

O título

Li assim:
«Cafuné, de Mário Zambujal, o novo romance do mais carismático autor português.»
Pois é, é de carisma tuga, é... A começar no título que alude a brasileirices... Chamasse-lhe festinha na cabeça, ora!

Vista

Pela cercania, o Natal efetiva-se lentamente...

  • Temos luzes postas nos troncos dalgumas árvores.
  • Temos uma montra totalmente alusiva à festa.
  • Temos (mais) pedinchice em duas vertentes: associativa e precária.

Cheiro

Cheira a laca. Uma cliente receosa quis experimentar a lata, que já lhe aconteceu um azar.
Podia cheirar a cravos, importar-me-ia menos. Mas não, cheira a laca.
Siga a vida.

Melhor assim

É melhor escrever, afinal. Tenho muito tempo, tempo demais. Se for para endoidecer que aconteça escrevendo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Escrever

«Existe o momento da primeira inspiração literária. O primeiro golpe. Como escritor, suspeito de que todas as pessoas que decidem fazer uma incursão no mundo das letras, sem dúvida, sem dúvida alguma, têm um momento específico de génese literária. Situá-lo é diferente. Dito de outra forma: em que momento é que alguém se torna escritor? Dito ainda de outra forma: em que momento é que alguém é engravidado por esses estranho anseio de narrar, de contar, de escrever, de adotar as palavras como sua forma de expressão e, em certos casos, seu modus vivendi? Encontrar esse instante e narrá-lo. Encontrar o momento preciso em que uma pessoa qualquer deixa de ser uma virgem literária e começa a fazer amor com as palavras; ou, como me disse um amigo: encontrar o momento da vida de pessoas com tão poucas circunstâncias propícias em que um anjo as sobrevoa e as faz cair na literatura.»

In ‘O Anjo Literário’, Eduardo Halfon

Fonte

Hoje voltei a escrever, tive essa vontade. Sei que a minha fonte é inesgotável, mas pode acontecer eu não sentir sede, o que não tem acontecido e lamento. Por causa da saúde mental dava-me jeito deixar de ter esta sede toda por uns dias.
No post a seguir publico um texto que não é meu. A ideia principal é deixar pairando como cartão-de-visita do blogue as palavras de alguém que não eu, ultimamente estou um bocado deprimida e creio que isso é notório nos textos dos últimos dias. (Se não se notasse – se não se nota - melhor seria - será.)
Reconheço, sinto, sei que escrever me faz mal, é um vício extenuante, é como uma maldição, com tudo o que isso acarreta, como por exemplo transformar-me em alguém inconveniente e petulante, há dias em que não consigo ver os pontinhos de luz com coisas boas e maravilhosas acerca de mim.

Existências

O subtil conta com a astúcia do seu interlocutor. Nunca tinha percebido isto: a astúcia dum serve para descortinar a subtileza doutro. Se é uma subtileza boa e capaz, o astuto fica feliz. Se é uma das más, é um horror de tristeza, o que ele se sente.

Precisão

Precisava de um estalo.
Alguém me fez o favor.
Às vezes é preciso doer.
Doeu.

Sei que não se percebe nada do que estou a escrever – escrevo somente para mim -, mas embora encapotado este é daqueles escritos que jamais esquecerei, porque o estalo doeu. E não foi pouco.

Adaptação

Custa ouvir dizer que estou aqui mas não se sabe se estou adaptada se não estou adaptada. Tenho para mim que o recetor de tal conversa vai quedar-se na inadaptação, as pessoas são assim, primeiramente viradas para o negativo, existe inclusivamente uma predisposição voraz para o não.

Dias de um Ginásio

«Ah, não faça isso!»
Exclamou o moço da receção em tom de brincadeira quando lhe anunciei que daqui a uns tempos vou parar com o ginásio durante um mês.
Pensei em inventar umas coisas, dizer-lhe que tenho um problema cabeçal: ataques de pânico no chuveiro, e que estas coisas são recorrentes e acontecem habitualmente nos mesmos lugares.
Mas não. No papelinho escrevi apenas: 'assunto pessoal', que ninguém tem nada que saber da minha vidinha.

O tempo de chuva

Como está? (simpático)
Fenomenal, claro. (irónica)
Ah pois, com esta chuvinha... (compreensivo)
Sim... (condescendente)

Desagrada-me ser tolhida pelo cinzento e húmido estado em que está o tempo... Mas é difícil que se farta não o ser.

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