Gina, a mulher que tem um blogue

Gina, a mulher que tem um blogue

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Segunda-feira

Esta tem de ser uma semana igual às outras, uma daquelas semanas com recomeço e fim. Recomeço. Na passada segunda-feira comecei o trabalho. Hoje recomecei o trabalho.

A ira

A chuva miudinha torna os clientes irascíveis.

Na rua

Já não me lembrava que não é forçoso abrir o chapéu assim que saio de lá, posso ainda espreitar a montra dos óculos, a montra das malas, a montra dos livros, posso inclusive balbuciar algo ao homem que pede esmola, para finalmente entrar noutro espaço. E atravessá-lo, à abrigada. Depois saio e abro o chapéu-de-chuva, que já não é evitável. Atravesso uma rua estreita. Escondo-me lá debaixo, sem que deseje o escondimento, ficando |ainda| mais só.

Tons outonais

Árvore amarela |que por ora ainda é verde| está igual. Creio que está precisada dum pouco de sol para amarelecer.

...

Alguém disse que adora abóboras, que são como luzes douradas em contraste com o cinzento outonal.
Achei tão bonito, tão poético.

Horas

Catorze e quarenta e cinco. Hora de retirar pontinhos brilhantes da camisola, coisa que as lavagens fariam duma forma progressiva.

Repetição

Os passos ecoam.
É que isto tem tanta piada... Parece que as pessoas se movem por sobre microfones... Daí a repetição.
Os passos daquele senhor que arrasta os pés no lugar da musa são também demasiado audíveis. Eu cá acho, tanto que adquirem novamente o lugar de notícia. Ou porque há muito tempo que não o via ou porque há muito tempo que não o notava ou porque há muito tempo que não o escrevia.

Chuva

Cadeiras empilhadas na avenida, nada de esplanadas e isso, qual quê.

Temperatura

Na avenida João XXI o termómetro marcava vinte e sete graus. Não pode ser, a chuva deu cabo daquele contador...

Tira de papel

Não sei quantas vezes estendi a mão para apanhar o papel publicitário naquela esquina, talvez o mesmo número de vezes que disse que não o queria, obrigadinha. Isso de aceitar o que não quero faz de mim uma pessoa fixe, que eu de vez em quando tenho necessidade de me sentir assim.

McDonald's

«Tipo tem de ser num mac aqui perto porque tipo...»

Ó 'miga, olhe pra trás de si. Já viu o que tem nas suas costas? McDonald's. Com as letras e os apetrechos do costume. Não me vou para aqui pôr a descrever uma multinacional desta envergadura, que seria trabalhoso e debalde, pois toda a gente sabe como é.

Rolamento

Hoje as azeitonas não se me rolaram do prato porque vinham coladas ao puré.

Esperamos o almoço

Temos pressa, então alisamos a toalha, passando-lhe a mão por sobre o papel, ajeitamos os brincos de mola, que aquilo sai do lugar num ápice, recolocamos os punhos do camiseiro no lugar, esticamos a mecha de cabelo, rodamos os anéis para desprender a pele dos dedos.

O outono desta manhã, em Camarate

Outono do mister Google

Comboios de Lisboa

Lisboa - Caminhos de Ferro, 30 de setembro de 2013

Ah e tal

Sou um bocado cética relativamente ao chamado efeito bumerangue porque não me é dado ver bumerangues das minhas atitudes. Isto quando são boas, é dessas que quero falar, as outras por ora não interessam nada. É certo que ao fazer agrados à outra gente se lhes brota uma vontade enorme de serem tão boa gente quanto eu, pois a gente que é gente imita-se mutuamente. Mas, quando a outra gente me imitar fazendo agrados tal e qual como eu... Não os vou poder observar. E a outra gente a quem eu imito descaradamente os bons atos... Também não os vão ver. Bah.

domingo, 29 de setembro de 2013

Flores d' hoje, colhidas à chuva

«Ó mãe, tira as fotos na parede do meu quarto, que é mais bonita.»

Clique à tv


Programa do Jamie Oliver no canal 24 kitchen.

...

– Estás a ler os meus poemas?
– Estou.

Número par

Estendi tanta roupa que fiquei sem molas no cesto.

...

Porquê nariz tão arrimado a cariz?

Perguntei à estudante de morfologia que há cá em casa. A rica filha diz que as duas palavras não têm nada a ver, é só uma coincidência, as palavras só terão ligação quando a radical é a mesma.

Ir a votos

A cadela também foi, só por dizer que votou em branco, que não percebe nada de política.

Mesa de voto

Votei no lugar errado. Sério. Quando saí detrás do... como se chama aquilo, não sei, biombo(?), fui gentilmente admoestada |para a próxima vez, a senhora tem de votar no coiso da sua secção...| e senti em mim uma catrefa de pares de olhos atentos. Eu e atenções... Ah, como nos damos bem.

Às urnas

Pode-se votar com o coração, com a inclinação, com a convicção. Acho todas as razões válidas, se o voto é livre...

A votos

Vamos votar. Vamos votar! Vamos votar?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Vírgulas

Hum, ok, pois é, o livro, hum, coiso, quero eu dizer, não deu pra avançar. O que está mal são os opostos que não me largam, tipo assim, vá, eu estar um tanto ou quanto baralhada por causa do fingir que faço de conta que não sei que sei escrever, bem como fazer, que também faço, oh se faço, de conta que estou a fingir que sei que não sei escrever. Sim, eu sei, ok, não se percebe nada, mas tem de figurar no blogue.

Fim-de-semana


«É bom de vez em quando
porem estas coisas nos pacotes de açúcar
para a gente se distrair,
até podiam pôr textos
e não sei quê
para a gente perder um bocado de tempo
e não pensar noutras coisas...»

...

Era para escrever Campo Grande mas escrevi Campo Grange.
Talvez seja demais esperar que hajam leitores suficientemente atentos para perceberem o trocadilho...

A azeitona

Ao almoço rolou uma azeitona do prato que me aterrou no colo e, pensava eu, teria seguido viagem até ao chão. Mas não.
O restauro feito, fui cumprir as ordens, depósitos bancários e assim, naquele novo banco, onde tudo é novidade para mim.
– Tudo bem com a senhora?
A senhora era eu. Admiração e surpresa, talvez eu espelhasse essas emoções, pois eram decerto as que sentia. 'Porra, isto aqui é mesmo fino...Ou então querem cativar a nova cliente ou assim.' Pensei, enquanto respondia o trivial. Abri a mala e descobri uma azeitona no fundo. Pois, isso mesmo, a azeitona que rolara do meu prato uma meia hora atrás, afinal aterrara dentro da mala. Bem sei que podia tê-la oferecido à simpática bancária. Mas não. Depositei-a sorrateiramente num cantinho dum daqueles expositores com prospetos publicitários de produtos financeiros. Fiz dois depósitos, portanto.

27 de setembro

É sexta-feira, o almoço devia ser carne de porco à portuguesa mas não há cozinheiro. Quatro semanas atrás, sexta-feira, o meu último dia de trabalho antes das férias, disse ao homem: 'Ah e tal olha que só vou comer chicha de porco dia vinte e sete de setembro e vais ver que todas as sextas-feiras te vais lembrar de mim quando estiveres a servir a chicha aos outros clientes porque eu chamo sempre chicha de porco à chicha de porco e tal e coiso.' Pumba, nada disso, o cozinheiro não está.

Dia de

Hoje - dentre outras coisas que não lembro nem vou pesquisar - é dia do leite com chocolate.

|Não bebi.|

Dia de

Ontem foi dia do ex-fumador. Acho bem, acho até muito bem isso de deixarem de fumar, só por dizer que também há o dia do não-fumador e eu cá acho que também devia haver o dia do fumador. Isto por causa da igualdade de direitos e a gente poder fazer o que quer sem se ser desprezado pelos demais e esse tipo de coisas assim.

Nota sumamente importante: não sou fumadora.

Magreza

Apareceu-me aqui um sujeito com um problemão. Pediu atacadores para se desenrascar, pois as calças iam caindo por ele abaixo e estava farto de vir a caminhar e a puxá-las pra cima. Vendi um par de atacadores com uma pinta do caraças, portanto.

Número um

Primeira sensação da chuva: os passos das pessoas ressoam enormemente. O que a água faz...

Outono

7:40. Grande trovoada.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Olá...

... Boa-noite. Vou neste exato momento expor o que devia fazer amanhã, para ser uma senhora como deve ser. Amanhã eu não devia escrever postzinhos da treta para publicar no blogue. Amanhã, o que eu devia fazer, era, os meus intentos deveriam ser, olha aí as vírgulas, mulher, escrever um livro. Um livro.

A irascível

A irascível que eu devia ser. A irascível como é bem. Fixe. Capaz. Tenaz. Pertinaz. E mais um montão de maluqueiras das boas. Não este aglomerado de molezas desconexas.

|Metes no blogue, não te preocupes mais com isso. Está escrito na mesma, não está? Então, pronto. Descansa, vá.|

Declaração

Nunca tive medo do escuro. O escuro é algo concreto – está escuro e pronto. Nunca tive medo do concreto. Porém assusta-me concretizar, porque enquanto concretizo - ou então não – me movo num lugar impalpável, inqualificável e, por conseguinte, assustador.

Orelhas floridas

Ah, eu também gosto muito de brincos às flores, sou espanhola e sabe que as espanholas gostam muito de flores, tenho para lá montes de coisas muito floridas e com muitas cores...

Eu não digo que traga todos os dias estes brincos floridos.
Eu não digo que esta cliente venha cá todos os dias.
Eu digo que sempre que esta cliente cá vem eu tenho estes brincos nas orelhas.

|Ah, é verdade, já referi esta senhora num outro post, este aqui, oh.|

T-shirt

Um homem apareceu com uma t-shirt com grandes letras que diziam:
'Já abraçaste a minha t-shirt hoje?'
Não fui de modas...
'Não, ainda não abracei, não.'
O homem corou. Eu corei por causa da cor dele. Eu deixei de corar. Ele... Não sei.

Doação

Ela pra mim: ‘ah, a senhora tem um saco que me dê, que o meu rasgou-se por causa da melancia e agora tenho tudo espalhado ali no chão e mais não sei o quê.’
Passei-lhe um saco para a mão sem delongas e com vontade de ajudar. Há momentos em que me julgo um tudo-nada menos ruim do que sou.

A visão

Vou para casa de transporte público. Logo após escolher o banco dá-me vontade de anotar coisas nos papelinhos, o que é meu costume, mas embaraço-me com isso, o que também é meu costume. Mas entretanto… Porque não rabiscar durante o trajeto? Ademais, a minha companheira de banco não iria espreitar, é cega. Decerto lhe chega o cheiro da tinta ou ouve o restolhar do papel ou o raspar da caneta mas é garantido que não vai ler os meus rabiscos, não os pode ver.
|Como contentarão os cegos as suas curiosidades?|
Decerto lhe chega o som do fecho da mala, da caixa dos óculos, o meu ligeiro tornear de pescoço, admirando a paisagem nos intervalos dos apontamentos. Decerto ouve tudo, diz que os cegos apuram em muito os restantes sentidos.
|E o sentido de orientação, como é que aquela mulher sabe onde é suposto sair? Pede um aviso ao motorista?|
A dada altura noto que a mulher cega cabeceia, tem sono, afinal. Se visse tão bem quanto eu talvez não se lhe chegase curiosidade nenhuma...
Loures avista-se. Preciso sair não tarda. A mulher já não cabeceia, quem sabe agora vá concentrada nas curvas da camioneta, a ver...
|Que ironia...|
… Se descortina o ponto onde está. Mexo-me um pouco, colocando a alça da mala no ombro.
|Já havia deixado os escritos.|
– A senhora dá-me licença, por favor? - Pergunto eu, e ela devolve-me uma pergunta:
– Esta paragem é o liceu, não é?
– É, sim.
… Fiquei estupefacta... Ela não vê, dormitou e não estava desacertada com o mundo dos visuais, só precisava duma certeza pequenina... Mas que intuição louvável.

Empastar

Estivemos as duas que tempos a ver se nos ocorria a palavra. Empastar.
'É isso mesmo, dona Adelina, empastar!'
'Vê menina, vê como eu me lembrei!'
Em alta costura, empastar consiste em que depois da prova no corpo do cliente um dos lados da peça de roupa sirva de bitola para o outro. Faz-se um alinhavo laço e com pontos compridos para que se abram as duas partes do tecido, cortam-se as linhas largas, separando assim as partes, obtendo-se a mesmíssima medida, que tudo quanto é roupa quer-se simetricamente confecionada.
A dona Adelina falou-me duma tábua que as costureiras usavam no seu tempo. Fiz admiração, não sabia de que tábua falava.
'Ó menina, não me diga!'
'Não conheço não, dona Adelina, nunca vi tal coisa.'
Disse eu, passando em revista as memórias mas sem resultados.
Contou-me que é uma tábua com um recorte arredondado para assentar na barriga e posta em cima do colo, era assim que se faziam os trabalhos de mão.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Parentesis

|Também|
Tinha saudades deste teclado.

Coragem, vá

Eis a desencorajada Gina, que tanto planeia e tanto não faz.

Branca

A poesia abandonou-me. Qual anjo literário, qual quê. Nada.
Pudesse eu saber o momento exato do abandono e conseguiria solucionar este problema. Soubesse eu que ficando à espera ela apareceria.

Setembro

Ai, tanto vento. Vi-me aflita para segurar os papelinhos.
As moscas não me largam, aquando da calmaria deste vento.
Catorze e trinta e sete no tempo; vinte e sete graus no ar.

Pouco depois...

… De dobrar a esquina, ali onde os detritos enfeiam o passeio, e quiçá para criar contraste, ocorreu um baque-maravilha no meu sentido:
– Ah, a árvore amarela!
Suspiro profundo e bom. Tem menos verde, por ora, a minha árvore. Folhas amarelecem e amarelecem e amarelecem. Este ano tens de honrar a minha palavra, 'miga árvore, vá.

De regresso

De manhã bebi café com a dona Lurdes e falei acerca de tecidos com a dona Adelina. Portanto: percebi que tinha saudades de café bombástico e de remexer nos pedaços de tecido em grandes caixas.
Tecidos. Para o inverno. Pois. Já lá andei a chafurdar... Ai, chafurdar não que é feio, vasculhar.

24 de setembro

Eu bem disse que dia 24 retornaria ao lugar da musa. Cá estou eu. Café; escrevinhar; saudades.

...

Percorrer a avenida de Roma tem outro significado. Hoje. Repito: hoje. Amanhã será diferente, que vêm aí as corriqueirices da minha vida, eu que não pense que doravante isto vai ser esta maravilha imensa.

Paciência para o penteado tem ela. Logo pela manhã, depois do banho, põe dois rolos à frente na franja mais três atrás no cocuruto e vai fazendo as suas coisinhas em casa, despachando tarefas. E os rolos ali, levando os fios de cabelo para onde ela quer, moldando a onda de cabelo como ela quer. Quando termina os afazeres domésticos e se vai aperaltar, dá com o secador no resto do cabelo, retira os cinco rolos, amanha-se muito bem, conseguindo assim aquele penteado arredondado de boneca dos anos setenta. Magnífico.

Diz que...

… A mulher já lhe pediu o divórcio, por conta dos mosaicos assim tão encardidos como estão os do pátio.
Presumo que ele estava a brincar. Presumo.

Prova de boa forma

A cliente diz que queria coisinhas assim e tal e coiso para pôr no buraquinho e eu pensei - oh céus se pensei - em tudo e tudo e tudo menos em suportes de prateleira.

Sonho

Sonhei que tinha a sanita a arder, mesmo com aquele pedaço de água que as sanitas costumam ter e tudo. Aliás: saíam chamas e fumo desse exato ponto. Havia confusão pelo ar porque se tentava apagar o fogo, eu e outras pessoas não identificáveis.

Olá, boa-tarde...

… De manhã a droguista de somenos ocupou-se sobretudo em amparar a loja*.

*...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

De regresso

Olá. Estou de regresso ao trabalho e como tal tenho-o acumulado, já para não falar da secretária abarrotada e tudo quanto é cantinho do estaminé estar como que entulhado. Portanto, hoje não tive lá muito tempo para brincar aos blogues. Mas, ainda assim... Não precisei de muito tempo para perceber que ainda mantenho a boa forma.

- Os senhores montam fechaduras?
- Eu não.
- Então tem alguém que monte?
- Pois.

domingo, 22 de setembro de 2013

caos


esta foto serve para ilustrar que deixei cair fósforos dentro do creme de pasteleiro que estava ao lume porque entretanto havia necessidade de fazer os bifes e pôr os legumes a saltear e vai daí já tinha tudo pingado de de ovos e açúcar batidos que tinha usado para o creme que estava ao lume porque não havia lugar onde pousar a batedeira por causa dos talos de couve e do pacote de arroz e da caixa dos bifes que eu cá tenho a mania de fazer tudo ao monte

«Eu leio e escrevo. Não, escrevo e leio. Interrompo-me constantemente. É a monte. Tudo na minha vida é a monte. Trabalho a monte, com montes. Sou a monte, encavalito tudo. Escrevo e leio a monte. E tropeço nos montes e montes. Tropeço aos montes. Amontoadamente. Amontoo o livro e a caixa dos óculos e o bloquinho rudimentar e a caneta e os óculos escuros em cima da mala que tenho no colo. Tenho dois pares de óculos assentes na cabeça. Uns no toutiço, outros no nariz. 24|05|2013»

...

O bom que se retira dos amores impossíveis é enquanto dura.
Que esperta. Bah.

Assim é melhor

Fingir que faço de conta que não sei que sei escrever.

TV

Há pouco vi um filme. Uma mulher e um homem escreviam um romance frente-a-frente, computadores de costas voltadas.

TV

Há pouco vi um filme. Um homem era homossexual. Mas só no seu íntimo, a superfície era a de uma pessoa normal.

TV

Há pouco vi um filme. Uma mulher chamava-se Olívia, como a minha cadela.

TV

Há pouco vi um filme. Uma mulher era consecutivamente passada à frente porque tinha o cabelo oleoso, confundiam-na com uma vagabunda, pareceu-me.

TV

Há pouco vi um filme. Uma mulher pôs cortinas novas porque ia receber o amor doutros tempos.

No futuro

Amanhã começa o outono. Amanhã recomeço a trabalhar. Estou cansada de estar sozinha. Não sinto a falta de ninguém.

No presente

Não me entusiasma o que escrevi naquele exato dia. Deixar-me estar é ainda prazenteiro, submeter-me é ainda deleitoso, porém, viajei, vi, vivi. É um outro modo de retirar coisas boas desta vida. Já passou.

Blogue

Loures, 21 de setembro de 2013

Nestas férias não tenho pesquisado novas maneiras de escrever na blogosfera como era meu costume. Cada vez estou mais afastada a rede, já não tenho prazer em buscar novidades. Cada vez estou mais cansada de fingir que faço de conta que sei escrever.

Pouso

Loures, 21 de setembro de 2013

Lá no fundo

Os sonhos são os subúrbios da minha mente a lembrar-me coisas que só posso agigantar se as sonhar.
|não as posso escrever|

Sonho

Sonhei que ia ao cabeleireiro, o que é completamente inverso à minha realidade. Se por estes dias fosse cortar o cabelo ficava descabelada.

'Que é que diz o seu marido?' Pergunta recorrente dum cabeleireiro que sabe o que realmente importa. Pergunta de quem sabe que importa pensar-se que o primórdio é agradar ao marido. Pergunta de quem sabe que não importa mesmo nada sequer raspar no quanto importa agradar a outrem.

Diário de bordo

A rica filha viu-me para aqui a escrevinhar durante tempo e tempo e a escolher fotos e disse que devo ser a única pessoa no mundo que escreve diários de bordo por prazer.
Na verdade já me estava a impacientar, isto de escrever com alguns pormenores os quinze dias de férias e escolher as fotos e carregá-las no blogue. Cá mais para o fim, o texto já estava a pesar, mas eu gosto disto, quando escrevi o post da ata (ver aqui) era nesse gosto que estava a pensar.

Memórias II

Maratea; 10|09|2013; 20:24

Ainda não falei do autocarro. Vamos à praia num velho autocarro, viajando por cerca de 10 minutos. O caminho é estreito, cheio de arbustos e pedregulhos e altos montes. Desce-se até à praia, sobe-se até ao empreendimento. A inclinação é muita, devo dizer. Quando sobe, o enorme veículo fá-lo com esforço e ruidosamente. Esta viagem é como uma pequena mas deslumbrante aventura.
Para a praia as pessoas levam um semblante leve. Para 'casa' as pessoas estão cansadas, desgrenhadas, impróprias para um evento social, próprias para um revigorante banho.
Vida social, agora me lembro, aqui há espetáculos todas as noites apresentados num pequeno auditório. Ouvem-se vozes amplificadas, batida musical e palmas de quando em quando. O que vale é que termina cedo.
Maratea. Será que já falei de Maratea?. Não me lembro, e na verdade ainda não li as parvoíces que escrevi.
(Pesquisado a posteriori: sim, já havia escrito mas reescrevo na mesma.)
Maratea é uma vila pitoresca, aprumada, limpa, organizada. Há muito comércio tradicional. A ausência de grandes centros comerciais marca a diferença nesta Itália. Comprei umas coisitas para recordar a vila numa loja onde o senhor confessou que não gostava de portugueses... Mas depois de esmiuçada a coisa percebi que ele não gosta é de brasileiros, viveu uns tempos no Brasil e é essa a opinião que tem, e comprei um par de chinelos com desenhos da hello kitty numa loja onde a senhora era extremamente simpática e preocupada em nos entendermos. Bem sei que é comerciante, o que leva as pessoas a dar atenção, mas não se encontrou isso em todas as lojecas daqui.
Hoje houve passeio à farta por aí, deixando a praia e a piscina de lado.
A piscina é esquisita. ainda só lá estive uma horita, ou nem tanto. Tem uma fileira de espreguiçadeiras que percorre todo o perímetro, ainda por cima não dá para a gente se espojar, tem de se estar na posição sentada, ou, quando muito, ligeiramente inclinada. Não é lá grande coisa, não.
5 para as 9 da noite
A rica filha corre para todos os cães que encontra na rua, está cheia da saudades da cadela. É claro que alguns bichos não lhe ligam a mínima, mas hoje, em Lagonegro, um cãozinho pulguento correu para nós, submisso. Quando o notámos tão pulguento já não nos sentimos à vontade para lhe tocar, mas lá que o bicho era amistoso, era.
Em Lagonegro um senhor interpelou-nos simpaticamente depois de ter observado a matrícula do carro. Reconheceu o 'P' como sendo de Portugal, curiosamente, e, mais curiosamente ainda, fez-nos perguntas em inglês acerca das características do nosso país. O mais conhecido são as praias e a comida, pois claro. Este senhor disse ainda que já andou a pesquisar panfletos, pois quer muito conhecer Portugal. Depois, reconhecendo que fazia as perguntas de supetão, desculpou-se, mas quis ainda saber a nossa profissão.
Curiosamente. Mais uma curiosidade. Em Lagonegro deixei uma chave mal acabada e um cartão com uma letra rabiscada.
Voltando ao senhor que nos interpelou. Ficámos siderados, principalmente o Luís, que é o mais conversador de nós três e ao qual estas férias de certa maneira fazem calar, pois a sua segunda língua é o inglês e aqui não há muitas pessoas que falem inglês. Caros leitores, é com sinceridade que vos digo, por muito comunicativos que sejamos, uma língua estranha é mesmo um entrave... E um gajo que goste à brava de falar e não o possa fazer uns dias e encontre um escapezinho... Desbobina.
Voltando à curiosidade imensa do dito senhor. Ora bem, uma coisa é ver olhares pejados de interesse em saber de onde somos por causa da língua completamente desconhecida que falamos (os mais destemidos perguntam se somos espanhóis... 'oh cielli', em Espanha costumam perguntar-nos se somos italianos), outra coisa é alguém observar avidamente a matrícula do meu carro, reconhecê-la como portuguesa, interpelar a família em férias e fazer perguntas e mais perguntas. Quando saímos o homem ficou a seguir-nos os passos e tudo...
Trecchina. Em Trecchina, encontrámos finalmente um restaurante típico. Digo típico por ser como o que estava no meu imaginário de restaurante tipicamente italiano. Uma decoração simples mas cuidada, asseio, benevolência e prestabilidade por parte de quem serve. Comi 'pasta fresca fatto di mattina' com 'funghi' (massa fresca, feita de manhã com cogumelos), regada com um molho que já não lembro o nome mas que era apaladado, o que na verdade é o que mais importa. O casal que nos serviu mais pareciam anfitriões que outra coisa, o senhor inclusivamente sentou-se ao pé de nós para nos percebermos todos. E percebemos.

Maratea; 11|09|2013; oito e meia da manhã

Ontem à noite choveu.
9:04
O homem do supermercado é um fofo. Mais um. Esforça-se por perceber o que peço e sorri cheio de simpatia. O homem do supermercado é um fofo, repito, mas também é mais um que acha que sou espanhola... Largou a frase italiana 'va bene cosi?' a qual eu gostava de ouvir pra caraças, para passar a dizer 'vale?' à moda espanhola. Lamento tanto. Sou portuguesa, 'migo, portuguesa.
11:07
À vinda para cá passámos por Espanha, acho que não cheguei ainda a fazer essa referência. Se bem que tenhamos lá passado, só passado, de passagem, de noite, de madrugada, parando apenas em estações de serviço 24 horas para chichis, abastecimento da viatura ou de nós próprios e troca de condutor. Espanha já não prima pela novidade.
Ah, é verdade, estou na praia, sppiagia Nera. Nha nha nha nha...
20 para as três da tarde
Se hoje fosse um dia normal, uma quarta-feira de trabalho, quero eu dizer, por esta altura estaria atravessando a praça de Londres, cheia de pesar por ter de voltar ao lugar soturno. Há quem julgue que fazer este tipo de comparações seja positivo, assim se goza muito mais, aproveitando todos os bocadinhos para lembrar o que se estaria fazendo caso não se estivesse de férias. Não tiro razão a quem pensa assim, julgo que é um modo feliz de viver, mas também acho que anseia um pouquito e cansa a cabeça que se farta, uma vez que se tem incessantemente a merda do trabalho às marteladas no pensamento.
21:10
Estou no país das Ginas. Ainda não ouvi esse nome por aqui, a não ser quando algum dos meus me chama. Gina. Ó Gina. De manhã, na praia, 'una nonna' (uma avó) chamou a neta: «Virgínia!» 'Oh ciellli', caiu-me tudo ao chão, pobre criança, se ela gostar tanto do nome quanto eu...
Chegámos há pouco de Rivello. Que vila mais bonita! Mas semelhante a Maratea em muito, há becos e vielas, as casas foram construídas deixando pouco espaço para se circular na rua, ouvi dizer que era um modo de defesa dos antigos, e depois... Há igrejas e igrejas e igrejas, mesmo numa vila tão pequena.
Finalmente comprei o limoncello e o creme de limoncello. Comprei também um licor Cremovo e pão daqui e mais queijos daqui, as massas menos industrializadas que as nossas (presumo eu), uvas e pêssegos. Fiz estas compras numa mercearia a condizer com a rústica vila.

Maratea; 12|09|2013; 9:18

Já é quinta-feira. O dia acordou farrusco, portanto não muito bom para ir à praia. Os dias têm passado lentamente mas cheguei a este dia num instante. É esquisito, este sentir assim.
Valsinni; 13:58
Valsinni, o nome deste lugar. Se viajássemos de para-quedas teríamos aterrado aqui. Assim, de carro, aterrámos à mesma, é comum acharmos-nos em lugares mais ou menos simbólicos pelo divertido que é parar e conhecer.
Valsinni é mais uma vila italina, semelhante às outras que já conhecemos mas com particularidades, com a sua própria personalidade e as suas gentes, como é óbvio. Valsinni é uma terra cheia de história, aqui viveu e morreu a poetisa Isabella Morra, a qual foi assassinada aos 25 anos depois de uma vida solitária. Devido a essa solidão refugiou-se na escrita e achava companhia falando com os animais, as plantas, os montes e o rio. Foi-nos feita uma visita guiada e particular,  uma vez que éramos os únicos aqui. O senhor que relatava a história de Isabella Morra fazia-o apaixonadamente. Tirei montes e montes de fotografias ao lugar onde Isabella escreveu e viveu, até tenho uma foto de nós todos com o dito senhor. Fiquei de lha enviar e fá-lo-ei com todo o gosto.
'Va bene cosi?', cá está a frase... Que bom. Foi proferida pela senhora que nos serve no restaurante. Mais uma senhora afável, mais uma senhora de trabalho, mais uma senhora com as características normais de quem vive num meio pequeno: calma e segura. Modesta, é o seu nome. Desculpe lá 'miga, mas eu tenho de registar o seu nome. 'La Fontana', o nome do restaurante, registo igualmente. Espero um prato de 'Tagliatelle di Isabella', parece que tem cogumelos e 'pancetta' ou lá que é. Já vejo. E já como.
13:44
Era bom, o tagliatelle. Também tinha tomate, afinal. Tudo refogadinho e apurado. Estava bom. A sobremesa foi 'Dolcemaria'. Consiste numa base natas batidas com massa folhada por cima, assim a modos que partida aos bocados. Dá a ideia de ser uma receita inventada para aproveitar migalhas e sobras de massa mas não faz mal, conquanto saiba bem, está-se bem. O licor. O licor foi 'liquori di allorino'. Licor de louro. É bom. Mais uma coisa boa. Cheira mesmo a louro fresco e foi a senhora que fez. Depois comprei uma garrafinha com um outro licor caseiro, de tangerina e banana. É melhor ainda.
Matera
Visitámos Matera, uma vila branca que cheira a pó. Diz que Matera foi o primeiro país do mundo. É bem capaz... Tem um certo ar pré-histórico, tem sim senhores. As casas foram construídas escavando as rochas (daí o cheiro a pó?). Fomos abordados por um ancião que diz ter nascido dentro duma dessas casas e que nos segue, oferecendo-se para cicerone. Ficámos agradecidos, só por dizer que o senhor era um bocado repetitivo... Mas efetivamente mostrou-nos tudo, tudo, tudo. O lugar onde nasceu, os novos alojamentos, a rúcula que nasce selvagem junto aos muros e muitas muitas casas hoje desabitadas mas em reconstrução (daí o cheiro a pó?). Foi giro, este cicerone meramente casual, com oitenta anos e cinco meses (o que me lembrou que se diz que a partir de determinada idade as pessoas além dos anos contam os meses, pois o tempo é preciosíssimo nessa altura da vida), disse este simpático senhor, nascido e criado em Matera, de seu nome: Eustáquio, como o santo que deu nome e uma igreja que vi por lá.
Mas antes de Matera tínhamos visitado o outro lada de Itália, ou seja: exatamente o oposto de onde estamos, o calcanhar da bota, onde há cerca de um ano alguém me dissera que a areia é clara, em contraste com a areia negra de Maratea e arredores. E do lado de lá do ocenao... A Grécia. 
Pisa
Eia, e a torre de Pisa, o que aquilo me assustou? 'Oh cielli'... É um edifício não tão grande quanto isso, quero dizer: é grande, mas não tão grande quanto imaginava que fosse, e está inclinada, assim a modos de parecer que vai cair no minuto seguinte. Fiquei sem ar. Parece mesmo que vai cair. Mesmo. É muito impressionante. A sério, nunca pensei ficar horrorizada com a visão... (Melhor não me pôr lá debaixo, eu sei...)

Maratea; 13|09|2013; dez e tal da manhã

Praia pela última vez (neste lugar e provavelmente este ano) e o caraças. Que pena. O mar está revoltoso, mas pouco, digamos que está um pouquinho irritado, as ondas são altas mas não muito fortes, portanto consigo sustentá-las sem me desequilibrar, ainda que fique sem pé num instante e tenha sido deveras difícil sair da água, não tivesse eu companhia e não me tinha metido lá dentro, não. 
Vamos embora daqui a pouco, rumo a casa, Loures, Portugal. Sim... já tenho saudades das minhas coisinhas, do meu frigorífico, de ir ao supermercado ou à mercearia e saber o que quero, não andar às apalpadelas, a tentar perceber e ser percebida incessantemente, já para não falar das saudades do rico filho, da cadela e de cada canto da minha casa.
10:49
Falta-me falar do clima daqui. É húmido, denso e quente. Há um cheiro permanente a verde e a maresia.
Registo ainda que o mar daqui se chama Golfo de Policastro.

França; 15|09|2013

Não sei onde estou, sei que estou em França, na estrada entre Nîmes e Montpellier. 
Deixei Itália. Pelo caminho ouvi a cantora Jewel enquanto o carro (máquina do caraças, tem-se portado tão bem) deslizava  por aquelas estadas imensas, esculpidas pelo homem, e montanhas criadas pela Natureza, não deixam de ser enormidades endeusadas, umas e outras. Parei algures, ainda em Itália, para petiscar. E foi aí que percebi o conceito de piza em Itália: piza é a comida dos pobres, é feita com um pedaço de massa muito fina, parcamente coberta com o que se tiver à mão. Em Itália fazem-nas assim e deixam-nas nas montras esperando clientes vindouros, o que faz com que arrefeçam e sejam aquecidas, voltem a arrefecer e tornem a ser aquecidas. Nada comparável às pizas que se fazem em Portugal, grossas e fartas em conduto e ainda por cima acabadinhas de sair do forno. Bem que já me tinham dito que as pizas italianas não são grande coisa.
Percorri ainda grande parte da Côte d'Azur, uma costa primorosa, o Mónaco é de facto lindíssimo, muito mais do que parece na tv, garanto. Paragem em Nice para ver como é. É uma balbúrdia, uma cidade costeira, enorme, com muita gente, que barafunda. Pronto, é sábado à tarde, as pessoas andam todas a passear e às compras e mais não sei o quê, mas fiquei com a sensação de que é sempre assim,.
Esta noite dormimos algures entre Sénas e Orgon num 'Auberge' não muito requintado mas limpo e castiço, onde em mil oitocentos e qualquer coisa Napoleão pernoitou. Napoleão dormiu num daqueles quartos. Napoleão dormiu quiçá no mesmo quarto que eu. Napoleão jantou na mesma sala que eu... Adiante. Jantei 'canard'. Peito de pato com alecrim acompanhado de ervilhas de quebrar salteadas e um puré onde se notava os pedaços de batata. Tão bom. De sobremesa pêras cozidas e regadas com fino chocolate e uma pequena taça com crumble. Tudo tão bom. Soberbo.
Quem reservou o quarto fui eu, que me desenrasco na língua francesa. Entrei decididamente por ali adentro, percorri toda a sala do restaurante e fui sair ao pátio. Aparece um carro e sai de lá uma francesa simpática (aqui todos são amistosos de verdade, sorriem imenso e são delicados no trato). 
- Bon-jour, madame.
- 'Je n' ai pas vu quelque un', disse eu, como que a desculpar-me por entrar assim.
Ela respondeu qualquer coisa que já não apanhei e fiquei especada a pensar no que dizer a seguir e ela diz mais qualquer coisa e eu sigo conversa a dizer que queria quarto para três e... Lá me desenrasquei.
Para que conste: deixei lá as minhas almofadas. Propositadamente. Eram muito velhas.
Deste dia já pouco resta para contar. Talvez dizer que voltei a passar por Montpllier e por Villefranche de Conflent e Bourg-Madame. Talvez dizer que muito próximo a Bourg-Madame comprei queijos de cabra e a rica filha fez uma grande amizade com o enorme cão que guardava a quinta, que se fartou de brincar com ele. Talvez dizer que voltei a não dormir nessa noite para andar de carro e andar de carro e andar de carro. Perdemo-nos em Madrid. A sério, imagine-se uma família dentro dum carrito às voltas numa circular vastíssima duma das maiores metrópoles do mundo, tentando desesperadamente encontrar uma saída M qualquer coisa (M40 ou M50 ou lá que era) às três da manhã... E encontrou. Quando se viu Badajoz e Portugal naquelas placas de Madrid... Ah caraças... Foge!
Foi bom avistar Elvas. Foi bom tomar o pequeno-almoço em Elvas. Foi bom ver a Ponte Vasco da Gama. Foi bom ver a luz de Lisboa. Foi bom ver a minha praceta. Foi bom ver o rico filho. Foi bom ver a cadela e cada canto do lar mais doce que há: o meu.

Segundo aglomerado de memórias fotográficas apresentadas cronologicamente mas sem descrição nem referência a lugares ou datas para fazer de conta que as imagens são efetivamente mais valiosas que as palavras...

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