Ainda não falei do cante alentejano ter ganho tanto destaque a nível mundial. Tenho o costume de não me pronunciar quando os temas são frescos, é uma mania minha, muitas vezes debito as minhas considerações durante o rescaldo dos temas mediáticos, mas desta feita até essa fase deixei passar, indo hoje dizer o meu poucochinho acerca do tema em questão.
Não há na minha família senão alentejanos pelo menos até para aí à quinta geração, todos nascidos e criados no Baixo Alentejo, é portanto um orgulho saber que este povo foi destacado com semelhante galardão. Não posso dizer que tenha assistido a muitos cantares in loco, na família mais chegada havia somente um tio ou outro que após uns copitos se atrevia a cantar publicamente, e outro contra para isso não acontecer muitas vezes foi o facto de não ter crescido no Alentejo, ainda que tenha crescido a ouvir a minha mãe cantar. A minha mãe sempre cantou lá em casa. Sempre. Contudo, durante os lutos não cantava, fazê-lo era como que uma afronta de tamanhão. No entanto nunca ouvi o meu pai cantar, se bem que tenha ouvido as tais histórias do cantar alentejano. No tempo do namoro era costume os rapazes subirem as ruas, à noite, cantando a plenos pulmões para as suas amadas. Corria inclusive a história de que em determinada rua subia apenas um dos rapazes, por nessa rua morar apenas uma amada, chamavam-lhe 'a rua do lá vai um'. Não, esses tais não eram a minha mãe e o meu pai...
O teu pai canta bem, o que é que julgas?!
Era o que dizia a minha mãe e isto é tudo quanto sei acerca da voz do meu pai.
Entretanto termino o post transcrevendo um texto que escrevi há cerca de três anos, o qual contém não só palavras minhas como do escritor e bloguista Napoleão Mira, ele sim, sabe como comentar o cante alentejano. É ler abaixo.
Sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Terminei de ler o livro 'Ao Sul' de Napoleão Mira. Adorei a sua escrita, o modo como descreve as alentejanices que tão bem conheço.
Escolhi um pequeno excerto de um capítulo que retrata a matança do porco - e tudo quanto lhe está inerente - passada na aldeia da qual os meus pais são oriundos – Albernôa – e aqui o deixo. Porque a minha alma é mais alentejana do que de outro sítio qualquer, porque cresci com as questões alentejanas, lá ao longe, é certo, mas cresci com os costumes, o falar, o cantar (a minha mãe cantava muito). E a alvura. Até a alvura a minha mãe trouxe de lá. Ver ferver a cal era um dos meus passatempos preferidos em criança. Depois a minha mãe caiava o muro do quintal. Ficava tão branquinho... É porque as minhas raízes são as do sul que me identifico tanto com este livro.
«Pela tarde e quando o vinho naufraga nas gargantas dos comensais, alguém solta as primeira notas duma velha moda local. O momento torna-se quase solene e, em uníssono, como se as vozes fossem braços que se enlaçam, acontece a magia da alma alentejana em que a emoção emerge à flor da pele, e lá de dentro, do que temos de mais profundo, solta-se o grito lancinante da terra, imagem de marca de uma gente que se abraça para cantar e que canta em forma de abraço.
Quando a noite se faz verdadeiramente noite, quando o frio de Janeiro já não é bom parceiro, quando o vento zune através das frestas, sabemos que está na hora de abalar, coisa que se volta a fazer cantando:
Vamos nós saindo
Por esses campos fora
Que a manhã vem vindo
Nos lábios d' aurora»
Página 147
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