Maratea; 10|09|2013; 20:24
Ainda não falei do autocarro. Vamos à praia num velho autocarro, viajando por cerca de 10 minutos. O caminho é estreito, cheio de arbustos e pedregulhos e altos montes. Desce-se até à praia, sobe-se até ao empreendimento. A inclinação é muita, devo dizer. Quando sobe, o enorme veículo fá-lo com esforço e ruidosamente. Esta viagem é como uma pequena mas deslumbrante aventura.
Para a praia as pessoas levam um semblante leve. Para 'casa' as pessoas estão cansadas, desgrenhadas, impróprias para um evento social, próprias para um revigorante banho.
Vida social, agora me lembro, aqui há espetáculos todas as noites apresentados num pequeno auditório. Ouvem-se vozes amplificadas, batida musical e palmas de quando em quando. O que vale é que termina cedo.
Maratea. Será que já falei de Maratea?. Não me lembro, e na verdade ainda não li as parvoíces que escrevi.
(Pesquisado a posteriori: sim, já havia escrito mas reescrevo na mesma.)
Maratea é uma vila pitoresca, aprumada, limpa, organizada. Há muito comércio tradicional. A ausência de grandes centros comerciais marca a diferença nesta Itália. Comprei umas coisitas para recordar a vila numa loja onde o senhor confessou que não gostava de portugueses... Mas depois de esmiuçada a coisa percebi que ele não gosta é de brasileiros, viveu uns tempos no Brasil e é essa a opinião que tem, e comprei um par de chinelos com desenhos da hello kitty numa loja onde a senhora era extremamente simpática e preocupada em nos entendermos. Bem sei que é comerciante, o que leva as pessoas a dar atenção, mas não se encontrou isso em todas as lojecas daqui.
Hoje houve passeio à farta por aí, deixando a praia e a piscina de lado.
A piscina é esquisita. ainda só lá estive uma horita, ou nem tanto. Tem uma fileira de espreguiçadeiras que percorre todo o perímetro, ainda por cima não dá para a gente se espojar, tem de se estar na posição sentada, ou, quando muito, ligeiramente inclinada. Não é lá grande coisa, não.
5 para as 9 da noite
A rica filha corre para todos os cães que encontra na rua, está cheia da saudades da cadela. É claro que alguns bichos não lhe ligam a mínima, mas hoje, em Lagonegro, um cãozinho pulguento correu para nós, submisso. Quando o notámos tão pulguento já não nos sentimos à vontade para lhe tocar, mas lá que o bicho era amistoso, era.
Em Lagonegro um senhor interpelou-nos simpaticamente depois de ter observado a matrícula do carro. Reconheceu o 'P' como sendo de Portugal, curiosamente, e, mais curiosamente ainda, fez-nos perguntas em inglês acerca das características do nosso país. O mais conhecido são as praias e a comida, pois claro. Este senhor disse ainda que já andou a pesquisar panfletos, pois quer muito conhecer Portugal. Depois, reconhecendo que fazia as perguntas de supetão, desculpou-se, mas quis ainda saber a nossa profissão.
Curiosamente. Mais uma curiosidade. Em Lagonegro deixei uma chave mal acabada e um cartão com uma letra rabiscada.
Voltando ao senhor que nos interpelou. Ficámos siderados, principalmente o Luís, que é o mais conversador de nós três e ao qual estas férias de certa maneira fazem calar, pois a sua segunda língua é o inglês e aqui não há muitas pessoas que falem inglês. Caros leitores, é com sinceridade que vos digo, por muito comunicativos que sejamos, uma língua estranha é mesmo um entrave... E um gajo que goste à brava de falar e não o possa fazer uns dias e encontre um escapezinho... Desbobina.
Voltando à curiosidade imensa do dito senhor. Ora bem, uma coisa é ver olhares pejados de interesse em saber de onde somos por causa da língua completamente desconhecida que falamos (os mais destemidos perguntam se somos espanhóis... 'oh cielli', em Espanha costumam perguntar-nos se somos italianos), outra coisa é alguém observar avidamente a matrícula do meu carro, reconhecê-la como portuguesa, interpelar a família em férias e fazer perguntas e mais perguntas. Quando saímos o homem ficou a seguir-nos os passos e tudo...
Trecchina. Em Trecchina, encontrámos finalmente um restaurante típico. Digo típico por ser como o que estava no meu imaginário de restaurante tipicamente italiano. Uma decoração simples mas cuidada, asseio, benevolência e prestabilidade por parte de quem serve. Comi 'pasta fresca fatto di mattina' com 'funghi' (massa fresca, feita de manhã com cogumelos), regada com um molho que já não lembro o nome mas que era apaladado, o que na verdade é o que mais importa. O casal que nos serviu mais pareciam anfitriões que outra coisa, o senhor inclusivamente sentou-se ao pé de nós para nos percebermos todos. E percebemos.
Maratea; 11|09|2013; oito e meia da manhã
Ontem à noite choveu.
9:04
O homem do supermercado é um fofo. Mais um. Esforça-se por perceber o que peço e sorri cheio de simpatia. O homem do supermercado é um fofo, repito, mas também é mais um que acha que sou espanhola... Largou a frase italiana 'va bene cosi?' a qual eu gostava de ouvir pra caraças, para passar a dizer 'vale?' à moda espanhola. Lamento tanto. Sou portuguesa, 'migo, portuguesa.
11:07
À vinda para cá passámos por Espanha, acho que não cheguei ainda a fazer essa referência. Se bem que tenhamos lá passado, só passado, de passagem, de noite, de madrugada, parando apenas em estações de serviço 24 horas para chichis, abastecimento da viatura ou de nós próprios e troca de condutor. Espanha já não prima pela novidade.
Ah, é verdade, estou na praia, sppiagia Nera. Nha nha nha nha...
20 para as três da tarde
Se hoje fosse um dia normal, uma quarta-feira de trabalho, quero eu dizer, por esta altura estaria atravessando a praça de Londres, cheia de pesar por ter de voltar ao lugar soturno. Há quem julgue que fazer este tipo de comparações seja positivo, assim se goza muito mais, aproveitando todos os bocadinhos para lembrar o que se estaria fazendo caso não se estivesse de férias. Não tiro razão a quem pensa assim, julgo que é um modo feliz de viver, mas também acho que anseia um pouquito e cansa a cabeça que se farta, uma vez que se tem incessantemente a merda do trabalho às marteladas no pensamento.
21:10
Estou no país das Ginas. Ainda não ouvi esse nome por aqui, a não ser quando algum dos meus me chama. Gina. Ó Gina. De manhã, na praia, 'una nonna' (uma avó) chamou a neta: «Virgínia!» 'Oh ciellli', caiu-me tudo ao chão, pobre criança, se ela gostar tanto do nome quanto eu...
Chegámos há pouco de Rivello. Que vila mais bonita! Mas semelhante a Maratea em muito, há becos e vielas, as casas foram construídas deixando pouco espaço para se circular na rua, ouvi dizer que era um modo de defesa dos antigos, e depois... Há igrejas e igrejas e igrejas, mesmo numa vila tão pequena.
Finalmente comprei o limoncello e o creme de limoncello. Comprei também um licor Cremovo e pão daqui e mais queijos daqui, as massas menos industrializadas que as nossas (presumo eu), uvas e pêssegos. Fiz estas compras numa mercearia a condizer com a rústica vila.
Maratea; 12|09|2013; 9:18
Já é quinta-feira. O dia acordou farrusco, portanto não muito bom para ir à praia. Os dias têm passado lentamente mas cheguei a este dia num instante. É esquisito, este sentir assim.
Valsinni; 13:58
Valsinni, o nome deste lugar. Se viajássemos de para-quedas teríamos aterrado aqui. Assim, de carro, aterrámos à mesma, é comum acharmos-nos em lugares mais ou menos simbólicos pelo divertido que é parar e conhecer.
Valsinni é mais uma vila italina, semelhante às outras que já conhecemos mas com particularidades, com a sua própria personalidade e as suas gentes, como é óbvio. Valsinni é uma terra cheia de história, aqui viveu e morreu a poetisa Isabella Morra, a qual foi assassinada aos 25 anos depois de uma vida solitária. Devido a essa solidão refugiou-se na escrita e achava companhia falando com os animais, as plantas, os montes e o rio. Foi-nos feita uma visita guiada e particular, uma vez que éramos os únicos aqui. O senhor que relatava a história de Isabella Morra fazia-o apaixonadamente. Tirei montes e montes de fotografias ao lugar onde Isabella escreveu e viveu, até tenho uma foto de nós todos com o dito senhor. Fiquei de lha enviar e fá-lo-ei com todo o gosto.
Valsinni é mais uma vila italina, semelhante às outras que já conhecemos mas com particularidades, com a sua própria personalidade e as suas gentes, como é óbvio. Valsinni é uma terra cheia de história, aqui viveu e morreu a poetisa Isabella Morra, a qual foi assassinada aos 25 anos depois de uma vida solitária. Devido a essa solidão refugiou-se na escrita e achava companhia falando com os animais, as plantas, os montes e o rio. Foi-nos feita uma visita guiada e particular, uma vez que éramos os únicos aqui. O senhor que relatava a história de Isabella Morra fazia-o apaixonadamente. Tirei montes e montes de fotografias ao lugar onde Isabella escreveu e viveu, até tenho uma foto de nós todos com o dito senhor. Fiquei de lha enviar e fá-lo-ei com todo o gosto.
'Va bene cosi?', cá está a frase... Que bom. Foi proferida pela senhora que nos serve no restaurante. Mais uma senhora afável, mais uma senhora de trabalho, mais uma senhora com as características normais de quem vive num meio pequeno: calma e segura. Modesta, é o seu nome. Desculpe lá 'miga, mas eu tenho de registar o seu nome. 'La Fontana', o nome do restaurante, registo igualmente. Espero um prato de 'Tagliatelle di Isabella', parece que tem cogumelos e 'pancetta' ou lá que é. Já vejo. E já como.
13:44
Era bom, o tagliatelle. Também tinha tomate, afinal. Tudo refogadinho e apurado. Estava bom. A sobremesa foi 'Dolcemaria'. Consiste numa base natas batidas com massa folhada por cima, assim a modos que partida aos bocados. Dá a ideia de ser uma receita inventada para aproveitar migalhas e sobras de massa mas não faz mal, conquanto saiba bem, está-se bem. O licor. O licor foi 'liquori di allorino'. Licor de louro. É bom. Mais uma coisa boa. Cheira mesmo a louro fresco e foi a senhora que fez. Depois comprei uma garrafinha com um outro licor caseiro, de tangerina e banana. É melhor ainda.
Matera
Visitámos Matera, uma vila branca que cheira a pó. Diz que Matera foi o primeiro país do mundo. É bem capaz... Tem um certo ar pré-histórico, tem sim senhores. As casas foram construídas escavando as rochas (daí o cheiro a pó?). Fomos abordados por um ancião que diz ter nascido dentro duma dessas casas e que nos segue, oferecendo-se para cicerone. Ficámos agradecidos, só por dizer que o senhor era um bocado repetitivo... Mas efetivamente mostrou-nos tudo, tudo, tudo. O lugar onde nasceu, os novos alojamentos, a rúcula que nasce selvagem junto aos muros e muitas muitas casas hoje desabitadas mas em reconstrução (daí o cheiro a pó?). Foi giro, este cicerone meramente casual, com oitenta anos e cinco meses (o que me lembrou que se diz que a partir de determinada idade as pessoas além dos anos contam os meses, pois o tempo é preciosíssimo nessa altura da vida), disse este simpático senhor, nascido e criado em Matera, de seu nome: Eustáquio, como o santo que deu nome e uma igreja que vi por lá.
Mas antes de Matera tínhamos visitado o outro lada de Itália, ou seja: exatamente o oposto de onde estamos, o calcanhar da bota, onde há cerca de um ano alguém me dissera que a areia é clara, em contraste com a areia negra de Maratea e arredores. E do lado de lá do ocenao... A Grécia.
Pisa
Eia, e a torre de Pisa, o que aquilo me assustou? 'Oh cielli'... É um edifício não tão grande quanto isso, quero dizer: é grande, mas não tão grande quanto imaginava que fosse, e está inclinada, assim a modos de parecer que vai cair no minuto seguinte. Fiquei sem ar. Parece mesmo que vai cair. Mesmo. É muito impressionante. A sério, nunca pensei ficar horrorizada com a visão... (Melhor não me pôr lá debaixo, eu sei...)
Maratea; 13|09|2013; dez e tal da manhã
Praia pela última vez (neste lugar e provavelmente este ano) e o caraças. Que pena. O mar está revoltoso, mas pouco, digamos que está um pouquinho irritado, as ondas são altas mas não muito fortes, portanto consigo sustentá-las sem me desequilibrar, ainda que fique sem pé num instante e tenha sido deveras difícil sair da água, não tivesse eu companhia e não me tinha metido lá dentro, não.
Vamos embora daqui a pouco, rumo a casa, Loures, Portugal. Sim... já tenho saudades das minhas coisinhas, do meu frigorífico, de ir ao supermercado ou à mercearia e saber o que quero, não andar às apalpadelas, a tentar perceber e ser percebida incessantemente, já para não falar das saudades do rico filho, da cadela e de cada canto da minha casa.
10:49
Falta-me falar do clima daqui. É húmido, denso e quente. Há um cheiro permanente a verde e a maresia.
Registo ainda que o mar daqui se chama Golfo de Policastro.
França; 15|09|2013
Não sei onde estou, sei que estou em França, na estrada entre Nîmes e Montpellier.
Deixei Itália. Pelo caminho ouvi a cantora Jewel enquanto o carro (máquina do caraças, tem-se portado tão bem) deslizava por aquelas estadas imensas, esculpidas pelo homem, e montanhas criadas pela Natureza, não deixam de ser enormidades endeusadas, umas e outras. Parei algures, ainda em Itália, para petiscar. E foi aí que percebi o conceito de piza em Itália: piza é a comida dos pobres, é feita com um pedaço de massa muito fina, parcamente coberta com o que se tiver à mão. Em Itália fazem-nas assim e deixam-nas nas montras esperando clientes vindouros, o que faz com que arrefeçam e sejam aquecidas, voltem a arrefecer e tornem a ser aquecidas. Nada comparável às pizas que se fazem em Portugal, grossas e fartas em conduto e ainda por cima acabadinhas de sair do forno. Bem que já me tinham dito que as pizas italianas não são grande coisa.
Percorri ainda grande parte da Côte d'Azur, uma costa primorosa, o Mónaco é de facto lindíssimo, muito mais do que parece na tv, garanto. Paragem em Nice para ver como é. É uma balbúrdia, uma cidade costeira, enorme, com muita gente, que barafunda. Pronto, é sábado à tarde, as pessoas andam todas a passear e às compras e mais não sei o quê, mas fiquei com a sensação de que é sempre assim,.
Esta noite dormimos algures entre Sénas e Orgon num 'Auberge' não muito requintado mas limpo e castiço, onde em mil oitocentos e qualquer coisa Napoleão pernoitou. Napoleão dormiu num daqueles quartos. Napoleão dormiu quiçá no mesmo quarto que eu. Napoleão jantou na mesma sala que eu... Adiante. Jantei 'canard'. Peito de pato com alecrim acompanhado de ervilhas de quebrar salteadas e um puré onde se notava os pedaços de batata. Tão bom. De sobremesa pêras cozidas e regadas com fino chocolate e uma pequena taça com crumble. Tudo tão bom. Soberbo.
Quem reservou o quarto fui eu, que me desenrasco na língua francesa. Entrei decididamente por ali adentro, percorri toda a sala do restaurante e fui sair ao pátio. Aparece um carro e sai de lá uma francesa simpática (aqui todos são amistosos de verdade, sorriem imenso e são delicados no trato).
- Bon-jour, madame.
- 'Je n' ai pas vu quelque un', disse eu, como que a desculpar-me por entrar assim.
Ela respondeu qualquer coisa que já não apanhei e fiquei especada a pensar no que dizer a seguir e ela diz mais qualquer coisa e eu sigo conversa a dizer que queria quarto para três e... Lá me desenrasquei.
Para que conste: deixei lá as minhas almofadas. Propositadamente. Eram muito velhas.
Deste dia já pouco resta para contar. Talvez dizer que voltei a passar por Montpllier e por Villefranche de Conflent e Bourg-Madame. Talvez dizer que muito próximo a Bourg-Madame comprei queijos de cabra e a rica filha fez uma grande amizade com o enorme cão que guardava a quinta, que se fartou de brincar com ele. Talvez dizer que voltei a não dormir nessa noite para andar de carro e andar de carro e andar de carro. Perdemo-nos em Madrid. A sério, imagine-se uma família dentro dum carrito às voltas numa circular vastíssima duma das maiores metrópoles do mundo, tentando desesperadamente encontrar uma saída M qualquer coisa (M40 ou M50 ou lá que era) às três da manhã... E encontrou. Quando se viu Badajoz e Portugal naquelas placas de Madrid... Ah caraças... Foge!
Foi bom avistar Elvas. Foi bom tomar o pequeno-almoço em Elvas. Foi bom ver a Ponte Vasco da Gama. Foi bom ver a luz de Lisboa. Foi bom ver a minha praceta. Foi bom ver o rico filho. Foi bom ver a cadela e cada canto do lar mais doce que há: o meu.
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