Coisas daqui, sem me repetir, é difícil.
A tarde apresenta-se ensolarada. O arbusto dança. Cheira a comboios. Assentam sobre carris. São azuis. Mas há vermelhos e cinzas e uns que são cinza com uma risca vermelha que acompanha a largura das janelas, assim a toda a volta, na horizontal. Não sei se dá para perceber mas adiante. Nunca se sabe quem percebe. Nem quem perceberá. Nunca saberei quem percebe. E quem percebe entende como quer. Ou entenderá, melhor no futuro, que a esperança está no porvir. O que não quer dizer que não se perceba ou não se entenda. Nem quer dizer que queira alguma coisa. Coisas daqui, sem me repetir, é difícil.
Leio. Uma página ou duas. E escrevo. E esforço-me por não me concentrar antes no sorriso da estátua. A verdade é que a estátua me sorri durante uns milésimos de segundo, daí não passa. E logo lhe noto a expressão que realmente tem e mantém, por mais que a rodeie. Muda o ângulo de visão, nunca mais muda a expressão. É uma estátua triste, afinal. Segura outra estátua que está caída a seus pés, com uma expressão tão sofrida que só visto, visto que eu não sei escrever. A estátua grita, parece-me. Inaudivelmente, parece-me. Não se ouve nada. Apenas a dança do arbusto e os comboios rolando, apitando, sem pessoas.
Eu leio e escrevo. Não, escrevo e leio. Interrompo-me constantemente. É a monte. Tudo na minha vida é a monte. Trabalho a monte, com montes. Sou a monte, encavalito tudo. Escrevo e leio a monte. E tropeço nos montes e montes. Tropeço aos montes. Amontoadamente. Amontoo o livro e a caixa dos óculos e o bloquinho rudimentar e a caneta e os óculos escuros em cima da mala que tenho no colo. Tenho dois pares de óculos assentes na cabeça. Uns no toutiço, outros no nariz.
Escrevo. Mas se disser que escrevo as parvoíces do costume estarei a repetir-me. Mas coisas daqui, sem me repetir, é difícil.
Nunca falei dos bancos de jardim. Não sei. Se calhar já falei. São muitos. Metade deles à sombra, escondidos. Albergam velhinhos desocupados e adolescentes em intervalo de aulas. Contentes e tristes, uns e outros. Troquei-me: os velhinhos estão tristes; os adolescentes estão contentes. Há uns bancos com a pontinha sombreada. Sento-me aí, que a parte soalheira escalda. Leio. Escrevo. Não, escrevo e leio. Dou mais importância ao escrever mas o ler é importante. Para aprender. Para não repetir o que os outros escrevem. Para ser eu. Coisas daqui, sem me repetir, é difícil.
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