E hoje que está sol tenho uma história de chuva...
Era já noite quando entrou um cliente. Chovia imenso nessa hora. Depois de aviado, quando se despediu, fê-lo dando as boas-noites, mas logo de seguida acrescentou com um tom irónico:
Boa noite, salvo seja...
Tive vontade de fazer um post com a ironia da situação, uma vez que a maioria das pessoas não considera boa uma noite que se apresente tão chuvosa, e lembrei-me de outros tempos, um fim de tarde de verão, quentíssimo, o meu colega ir de urgência abrir a porta a este cliente, aborrecido com o percalço, aborrecimento esse, legítimo, claro, olha só alguém chegar a casa esbaforido e peganhento, suspirando por um banho, e ter de ir chamar o ferrageiro porque a porra da fechadura não abre... Nesse dia, quando lhe dei as boas-tardes respondeu que era má tarde, mas depois sorriu, condescendente, afinal. Fiz um post*.
Uma outra vez fomos lá a casa depois das sete, já não lembro fazer o quê, e enquanto eu esperava que o meu colega fizesse o trabalho, sentada no sofá deste cliente, nesse dia sem boas-tardes ou boas-noites irónicas, agarrei no bloquinho rudimentar e rabisquei umas coisas, deve ter sido mais ou menos nesta altura do ano, que me lembro da frase 'agora já é noite'**
*pesquisei mas não o descobri
** Vista
É noite. Bolas, pá, agora já é noite. Daqui parece que a varanda é imensa, quadrada. Avisto uma janela que se confunde com a enorme porta mesmo ao pé de mim. Estou baralhada, já é noite. Traseiras, luzes. Traseiras, só posso imaginá-las, inventá-las. O telejornal retrata desgraças ou incidentes e mais nada. Que seca. O gatinho tem um poleiro. O gatinho é solitário e medricas. O espaço é muito, não há livros, há fotos mas poucas e aglomeradas, de resto paredes compridas e vazias. Há tv, móvel para a tv, o telejornal fala e diz e comenta. Há sofá largo com espreguiçadeira e tudo. Mas a vista... Ah, a vista: há luzes porque é de noite, agora já é noite. É Lisboa. |29 de outubro de 2013|
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