Escreverás no teu diário que a toalha de mesa amarela estava pendurada no estendal do terceiro andar. O estendal é da vizinha em frente e tem desenhos com metades de melancias grandes. A toalha. O estendal é da vizinha, portanto a toalha também deve ser. Mas não te detenhas muito na toalha nem nos desenhos que tem, que é lá isso, deixa essas minudências para mim, que tenho mais jeito.
Escreverás bonito e bom, legivelmente. E falarás da ilegibilidade. Que bonito. Jamais saberei construir um texto em que caibam palavras deste calibre sem parecer que me estou a presumir escritora de boas palavras. Tens de ser tu.
Escreverás o quanto lhe desejas falar. Digo a vizinha. Ir lá a casa jantar, mesmo que na mesa haja outros convidados, desconhecidos para ti, como da outra vez. Quere-la tanto mas tanto. Não, não me vou pôr para aqui a falar dos teus amores. Tens de ser tu.
Escreverás de cravos, de rosas, da florista do bairro, do polícia fumante e de bebés. Do primo. Da esquina onde nunca bate o sol, da tasca das bifanas, do homem das castanhas, da tosse e do xarope, da loja de roupas tão apinhada que afunila. Agora tens de ser tu, eu já fiz a minha parte.
Escreverás das voltas com a bicicleta. Também, pois. Bicicleta bê de biragem. Isso. Bê de biragem é criação minha, tu escreves outras coisas, doutra maneira... Ai, como é que tu falas do teu velocípede...? «Encimo a bicicleta. Pedalo na minha bicicleta.» Isso.
De resto, escreve conforme o teu apetite, normalmente gosto bastante.
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