Dona Lurdes vai à loja de artigos em segunda mão, quer uma máquina de costura que viu por lá, tão antiga e tão linda e tão boa.
Dona Lurdes deixa sinal ao homem, ele que lhe guarde a preciosidade, mas entretanto uma senhora que mora na rua assim-assim mostra-lhe uma máquina melhor que a da loja e até lha oferece se ela assim quiser.
Dona Lurdes vai falar com o homem pois sabe que já perdeu o sinal e consegue que ele a deixe levar um tareco qualquer nesse valor.
Dona Lurdes mira e remira as antiguidades expostas, cheia de indecisões, um dia após o outro.
Dona Lurdes, a mui indecisa e lamentosa senhora, aborrece o homem por demais, tanto que este lança-lhe um ultimato: ou a senhora escolhe ou faça-se ao caminho que eu tenho mais o que fazer.
Dona Lurdes nem contou esta cena ao filho, quando não ele iria lá partir os cornos ao homem.
Dona
Lurdes afinal contou ao filho esta cena e vai daí o filho queria muito
saber onde é a loja do homem, insistindo e insistindo, para ir lá
partir-lhe os cornos.
Dona Lurdes enxofra-se muito por dentro de si e com a pressa escolhe um tareco inútil e em mau estado.
Dona Lurdes vai para casa a pensar no cabrão do homem. É uma branda senhora mas chama cabrão ao homem da loja e puta à vizinha trocista em quase todas as conversas que ambas mantemos.
Dona Lurdes quer mandar o tareco de volta, como quem dá um estalo a quem merece. Meterá o tareco dentro dum saco usado e por junto apresentará um bilhete xingando o homem e mandando dizer que não precisa do dinheiro dele e mais não sei o quê. Tudo isto escondida; sem que ele lhe note a presença.
Dona Lurdes pede-me um papelinho para escrever o tal recado e devido à tamanha dificuldade geme enquanto elabora um texto rudimentar.
Dona Lurdes pede-me outro papelinho, que com o esforçado rascunho já se lhe esgotou o espaço.
Dona Lurdes pede-me outro papelinho porque se lembrou que o melhor é escrever em maiúsculas, não vá o diabo do homem descobrir de quem é a caligrafia.
Dona Lurdes vai escrevendo pobremente, com uma dificuldade de dar dó. Eu, que tenho a mania que sei escrever expeditamente, custa-me horrores não a ajudar. Não quero ajudá-la, é melhor não, pois ainda se me cai alguma culpa em cima.
Dona Lurdes tem um novo papelinho na mão. Ai Gina, ai Gina, ai Gina, vai ela fazendo, numa queixa angustiada. Rabisca em maiúsculas o simples recadinho, cada palavra separada por um tracinho, às vezes dois, como apoio ou calmante ou assim, sei lá eu.
Dona Lurdes termina de rabiscar e agora tem de arranjar coragem para deixar o saco onde já estão o tareco e o recadinho, pumba lá para dentro da loja do homem mas sem que este a veja, é esse o seu intento.
Dona Lurdes bebe um café. Depois, quiçá encorajada pela cafeína, desce a rua e manda o saco para dentro da loja.
Dona Lurdes já não passa do lado da rua onde se encontra a loja de segunda mão. Incito-a a deixar-se de mariquices e fazer de conta que não se passou nada.
Dona Lurdes não consegue levar a sua vida normal, mudou o percurso habitual...
Não saberemos mais nada, é o que acontece a quem atua escondido. De pouco servem as vinganças se não houver notícias do efeito das mesmas.
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