Quotidiano fragmentário
A Olinda pediu-me que escrevesse um artigo sobre o modo como 'escrevo aspetos do quotidiano de modo fragmentado'. Pois bem, vamos a isso.
O meu modo de escrever é tipicamente o de alguém que regista diariamente alguns momentos bons e/ou especiais com o intuito de não os esquecer, conferindo-lhes um toque pessoal e transmissível. Sou uma memorialista, é o que é.
Observo, observo muito, é bem verdade, aliás: sempre fui assim, e nos últimos anos tenho vindo a expor copiosamente as minhas impressões num blogue, repartindo-as em pequenas doses. Os momentos que quero registar são muitos, aparecendo amiúde, num frenesim constante, tanto que às vezes quase enlouqueço por tudo querer escrever, parece que a minha cabeça vai explodir com tanta informação, o que é comparável às pipocas estalando em lume brando, inchando e multiplicando-se, querendo saltar fora da panela.
Observadora como sou, devo dizer que inventar personagens não me apraz. Sei lá, sou apegada à realidade, não sei descrever o imaginado, e ademais o mundo fornece-me pessoas e estados d'alma suficientes para uma enciclopédia que nunca terminaria, ou, para ser mais concisa: nunca terminará. Há que ter calma e não deixar que se me expluda a cabeça, a ver se não me cessam os registos, portanto...
Como já se percebeu, adoro esta atividade literária de escrever episódio aqui e ali, e por junto possuo uma enorme vantagem: trabalho numa loja, na qual lido diariamente com toda a classe de pessoas, visitando algumas vezes os lares dos clientes, o que me oferece uma diversidade incrível de momentos que considero registáveis. Claro que também registo cenas da minha vida, e aí o blogue assemelha-se mais a uma espécie de diário online, mas talvez mostre um lado da minha personalidade mais sadio e bem-disposto se escrever acerca dos outros.
E vou escrevendo os ditos fragmentos do quotidiano, escrevo no computador da loja, ou aponto nos papelinhos, quando me sento nas esplanadas ou nos bancos de jardim, tanto faz, anoto as minhas pipocas, a bem dizer é isso, e depois, quando posso, desenvolvo, mas não sem que por vezes me pareça andar sempre à roda da mesma conversa. Tenho de marimbar, bem sei, tenho de me afastar da ideia de maçar os leitores com as minhas pipocas, tenho de não me autocriticar, tenho de escrever e acabou a conversa. E escrever pode ser muito bom, envolve-me num brilho, que difundo posteriormente a meu bel-prazer. Quero com isto dizer que consigo tornar o mundo superinteressante, caso o escreva. Eu consigo. Se for ilusão minha, pouco me importa.
Acerca da veracidade dos factos que apresento: uns são crus de tão verdadeiros, outros há que estão verdadeiramente melhorados ou não teriam piada, que comigo é tudo na base da verdade... Só por dizer que também minto, como agora.