Ontem à noite vi o filme 'A Viagem dos Cem Passos'. Gostei bastante, trata-se de uma família indiana que emigra para França e se instala num restaurante abandonado há anos, sendo que sempre foi esse o seu negócio. Por entre peripécias e amores escondidos, ou então não, o filme conta uma história muito bonita, sempre em volta da comida e dos sentidos que desperta em nós.
Imaginei o filme como uma extensão das minhas próprias palavras*, e pondo de lado o pretensiosismo apresento um dos meus parágrafos.
*«Maria Alice não quer saber se o barulho do prato pousado à bruta no balcão de vidro a ensurdece, nem da desagradável temperatura da cadeira, nem se ocupa em notar o lindo rendilhado do guardanapo que serve de base ao bolo. Nada disso. Antes estica o peito, manda os ombros para trás e alonga as pernas por baixo da mesa, como quem vive um prazer ocioso. Acha-se confortável assim. E ritualiza o quotidiano, cheia de fé no restauro. E trinca. E mastiga. E saboreia. Deleitosamente. Com a boca toda, usando todos os sentidos, como estes se querem usados, que não apenas o paladar, qual quê.
Vê o bolo e deseja-o ardentemente;
ouve-o chamá-la numa voz sussurrante;
aspira o seu cheiro adocicado e inebriante;
sente nas pontas dos dedos aquele ligeiro afundar da massa…»
Coletânea 'Beijos de Bicos', conto 'Modo de', Gina G.
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