Éne |g e c| Dê Tê
|rpeaoepr|
quarta-feira, 31 de julho de 2013
terça-feira, 30 de julho de 2013
2801
Abrenúncio. Ia despejar o lixo e vi o Abrenúncio. O dia começara, portanto. Fui para o carro. Que continue o dia, vá. Igual, para não chocar. O dia continuou, e eu a lembrar o Abrenúncio de quando em quando, adquirindo este uma importância desmedida. Por isso o despejo ao fim do dia.
2800
Estive sentada num banco público, observando a mulher do rabicho e do laço no rabicho a comprar flores. Estava calor, tinha o sol direto na cabeça, mas eu queria ver que flores ela compraria. Porém, não deu para esperar mais, toda eu me alongava em cima do banco, como se estivesse a ficar comprida e escorregasse, esse tipo de coisas e mais não sei o quê. Bazei, a contragosto, ia curtir ter uma história interessante com esta senhora do rabicho e do laço no rabicho e chata pra caraças.
Lembrete
De repente lembrei a pilha de jeans mas não fui verificar em que pontos está o episódio por falta de tempo. Fui, isso sim, ver a estátua. Lá estava ela, um santo ou um mártir qualquer, um bloco de cimento talhado, sorrindo ao primeiro olhar meu. Ri-me.
Fez anos
Ela ontem fez anos. 45, os mesmos que eu.
Éramos vizinhas e andámos juntas na escola primária e depois um ano no ciclo preparatório, e não é por isso que a recordo com prazer, invejava-me e sempre se fez de inimiga, apesar de gostar de mim, o que me permitiu lidar com um paradoxo muito cedo.
Às vezes conto por aí que a única vez que andei à pancada, foi com ela. Ganhei. Saí vitoriosa. Tanto me atazanou a tola que a arrastei pelos cabelos por um monte de gravilha abaixo, que tinham ido colocar ao pé do meu quintal para vir a construir uma casinha por esses dias. Andávamos na segunda classe, tínhamos 7 anos. Nunca te esquecerei, 'nmiga.
Momento poético
Soube dum poema de António Canastrinha, um poeta popular, que em tempos esteve estabelecido neste bairro lisboeta. Apresento-o no blogue, retrata uma figura popular e muito carismática deste bairro.
Para o dia da Mãe
Com certo atraso mental
Sempre contente e feliz
Com uma força brutal
É tão humilde o Luís
O sonho da sua infância
Veloz como uma gazua
É imitar uma ambulância
A correr de rua em rua
Nunca fez mal a ninguém
Tem força, nada lhe dói
E só responde ma a alguém
Que diga – o Luís é boi
Para se alimentar
Dos amigos tem apoios
E é figura popular
Para o mercado de Arroios
Sem família organizada
Sem o conforto de um lar
Sem mãe, sem tia ou cunhada
Para o poder ajudar
Chamam-lhe o Luís maluco
Mas no seu comportamento
Sem ser espremido, há suco
De amor e de sentimento
A prova foi dada um dia
E cortou o coração
À Irene e à Maria
Vendedoras de criação
Chega o Luís a chorar
Triste que a todos consome
O que obriga a perguntar
O que tens, Luís? Tens fome?
Não! – responde ele a gritar
E especado se detém
- Ó Maria vai buscar
Vai buscar a minha mãe!
Num silêncio forte e bruto
Que ao seu redor se mantém
Pede passado um minuto
- Quero ver a minha mãe!
Só Deus sabe se o Luís
No todo que a vida tem
Queria um só dia feliz
Domingo – o dia da Mãe
Com juízo, muito ou pouco
Aprendam esta lição
Do sentimento de um louco
Com tão grande coração.
António Canastrinha
Lisboa, 3 de maio de 1991
Tenho um amigo...
… Que me perguntou se uso os pacotes para o arroz-doce, ou os guardo cheios, uma vez que sou tão interessada nas imagens.
Claro que uso, disse eu, quando encontro algum que quero recordar digitalizo e ponho no blogue.
Tira uma fotografia!
Não, digitalizo, fica melhor.
Oh, tiravas uma fotografia, pá!
Pequeno-almoço
Beber o leitinho com a língua encostada à colher, fazendo por não engoli-la também, é uma sensação que qualquer vivente devia experimentar. A sério, é espetacular.
Aquela pessoa
Há aquela pessoa que vem descendo a avenida - fá-lo de segunda a sexta, sem falhar um dia - e te olha atentamente, como se quisesse descortinar a tua personalidade, não se contentando com a aura misteriosa que demonstras. O amiudado interesse faz brotar a paixão e comprazes-te nela, um poucochinho que seja. Entretanto engendras um plano na tua cabeça: amanhã trarás uma resma de folhas contigo, quando te cruzares com o dito cavalheiro deixa-las cair propositadamente ao chão... Bem, talvez não seja precisa uma resma, quaisquer dez ou doze folhas chegam para que o cavalheiro dobre a espinha e te ajude a apanhar as folhas perdidas e espalhadas pelo chão da avenida.
As mulheres apaixonam-se tão facilmente. Descobriste um poema que fala disso e tudo…
Paixão fácil
Há cavalheiros
Muitos
Não suficientes, porém
Para a vontade feminina.
Há momentos cavalheirescos
São menos
Que os cavalheiros
São demais, porém…
É preciso cuidado
Que as mulheres
Apaixonam-se facilmente
Digo eu, a mulher.
Poema meu, publicado na antologia 'Poesias sem Gavetas'.
2793
Tímida, olha eu, a tímida*. Bah. Sou tão tímida que ando com os cornos arrojando pelo chão. Palavra que ainda não descortinei cá por dentro como consigo reter tanta informação acerca da vida das pessoinhas e assim, pois se marro o asfalto...
segunda-feira, 29 de julho de 2013
2791
Com o post anterior descobri que saltei uma capicua de posts: 2772. Oh. 2772. Dois dois. Dois setes. Se fossem sete setes no entremeio dos dois dois, também seria uma capicua.
Eu e elas
O meu desejo é passear a cadela e a tartaruga ao mesmo tempo. Na rua. Com trelas. E ao mesmo passo. O meu passo.
Flores e elas
O escritório tinha tesouras e furadores com florinhas lindas. Algo assim amaricado, digamos. Algo assim feminino. Algo giro e fofinho.
Montrando
Estive a limpar o vidro juntinho a um senhor que esplanadava. O fumo do cigarro dele não incomodou a minha limpeza, está tudo a brilhar.
Figurino
O ator vampírico, que é vampírico e também faz reclames de operadoras, ouviu o meu regurgitar de quando engolia o leitinho (e ele bebia o café ao balcão) e depois tive de encolher o arroto e vi-me e desejei-me para controlar os soluços. Quanto sofre uma senhora decorosa...
Figurino
Esteve aqui no estamine a Eva Mendes. Mas com mais vinte anos e sem o decote. Pensando bem, também não tinha mamas. Pensando, ainda, na blusa dela estava escrito everyday beauty. Pensando e pensando e pensando, então calhando não era Eva Mendes nenhuma, qual quê, a Eva Mendes não compra perborato de sódio para branquear a roupinha.
Lados
Há um lado, o da sombra; há outro lado, o do sol. A dona Adelina percorre a avenida invariavelmente pelo lado do sol, o lado da loja de tecidos.
Ó dona Adelina, olhe que variar de hábitos faz bem à cabeça!, aconselho eu.
Ai faz, menina? Oh..., faz ela, com a resignação dos velhos.
Simultaneidade
Leio quatro livros em simultâneo. Não me vou pôr para aqui a explicar às pessoas onde leio o que leio, só me vou pôr a explicar às pessoas que leio...
...'A Oficina dos Escritores', Francis Amalfi
...'Beijos de Bicos', vários autores
...'Os Objectos Chamam-nos', Juan José Millás
...'Os Íbis Vermelhos da Guiana', Helena Marques
E explico ainda às pessoas que estou para aqui a debitar particularidades da minha vida porque esta é efetivamente uma particularidade interessante, uma vez que não é nada costume pôr-me a ler dois livros em simultâneo, quanto mais quatro. E já está.
Confusãozinha
Dias de um Ginásio
É esquisito estar escanchada numa sala de ginásio tentando fazer a espargata enquanto se ouve em música de fundo a Unchained Melody (Righteous Brothers). A sério, não tem nada a ver.
Unchained Melody - Righteous Brothers
Oh my love, my darling
I've hungered for your touch
A long lonely time
Time goes by so slowly
and time can do so much
Are you still mine?
I need your love
I need your love
God speed your love to me
Lonely rivers flow to the sea
To the sea
To the open arms of the sea
yeah
Lonely rivers sigh "Wait for me"
Wait for me
I'll be coming home
Wait for me
Oh my love, my darling
I've hungered,
Hungered for your touch
A long lonely time
And time goes by so slowly
And time can do so much
Are you still mine
I need your love, I,
I need your love
God speed your love to me
Fonte: letras.mus.br
Chuva de verão
domingo, 28 de julho de 2013
...
O bolo
sábado, 27 de julho de 2013
Lençóis
Cantei uma canção:
Os meus lençóis cheiram mal
Cheiram mal os meus lençóis
Se não cheirassem tão mal
Eram limpos os meus lençóis
Já não cheiram mal, os meus lençóis. Nenhum lençol cheira mal, ao momento.
Os meus lençóis cheiram mal
Cheiram mal os meus lençóis
Se não cheirassem tão mal
Eram limpos os meus lençóis
Já não cheiram mal, os meus lençóis. Nenhum lençol cheira mal, ao momento.
O estado do tempo
sexta-feira, 26 de julho de 2013
71
Possuo o 'imperativo de registar' e a vontade de 'expor copiosamente' e outras merdas que inventei para justificar com salamaleques o quanto gosto de escrever. É portanto imperioso registar e expor novamente e portanto copiosar:
Tenho andado a escrever desnorteadamente nos últimos dias. Quer isto dizer que os escritos de hoje pertencem não só ao dia corrente mas também a três ou quatro dias atrás. Acrescento ainda que estão apresentados numericamente mas não cronologicamente para manter a ideia de que mando neste blogue.
…...................................................................
A bisar, agora:
Tenho de parar de escrever. A sério, dava-me um jeito do caraças.
A desenvolver, agora:
Tenho a nítida sensação de que não sei escrever, apresento-me de raspão, escorrego nos temas e saio apressadamente dos meus pequeninos textos. Não sei escrever. Não sei, não.
70
Um sonho, que não um dos meus. Oh glória terrestre, finalmente alguém me conta que sonhou comigo.
Elisabete Maria, a esotérica, contou-me que sonhou com nós as duas falando de meias de seda. Umas lilases, outras cremes. Escolhíamos as cores e isso. E tuteávamo-nos, incrivelmente.
Ela diz que o sonho pode ser premonitório, às tantas alguém me vai oferecer um par de meias de seda... Olhe que nunca se sabe, dizia ela.
68
A nova ministra das finanças é uma simpatia, vi-a no telejornal a despedir-se dos jornalistas: 'muito obrigada, desculpem lá mas já é tarde.'
67
A menina da pizaria estava envergonhada perante o cliente, um jovem estiloso e blás. Ele escolhia ingredientes e ela fazia trejeitos com a boca para disfarçar o embaraço de ter de olhar de frente para tamanha beleza. Ai as reações que um moço bonito provocam numa rapariga, pá...
65
Estou cansada das pessoas, aborrecem-me sobremaneira, não se distinguem entre si, tentam solucionar os mesmos problemas, desejam as mesmas coisas, debatem as causas da mesma forma, agem igualmente e todas rapidamente concluem que uma vida equilibrada é sinónimo de saúde mental e física.
Estou cansada de mim e da minha solidão. O pior é não me achar diferente das pessoas que abomino. Paradoxalmente, vivo num mundo diferente, opino diferentemente, sou portanto diferente das pessoas que não suporto.
Estou cansada das pessoas. Estou cansada de mim. Acumulo cansaços e sou perfeitamente incapaz de não me deter a observar-nos a todos, escrutinando acasos como se não houvesse mais nada para fazer.
64
Andei de roda do meu antigo blogue pesquisando uma informação datada de que necessitava. Vai daí, deambulei pelos meus escritos... E não gostei. Rigorosamente. Tive inclusive medo de me ler, toda eu me encolhia. Não, não estou a exagerar. Não gostei da minha escrita, da tristeza e do cansaço latentes, da vontade expressa de morrer, do despudor em confessar tamanha tolice. Mas pior que isso foi ter rapidamente concluído que em dois anos e meio os meus sentimentos não mudaram nada.
63
Diz que a salsa é uma erva tímida mas que em se picando logo solta despudoradamente os aromas vibrantes. Quando ouvi isto comparei-me toda eu à salsa mas entretanto vagueando cá por dentro descobri que não sou tímida, qual quê, sou é preguiçosa no falar. É diferente.
62
61
Tenho a mania que vejo pessoas da tv, inclusive bonecos animados. Hoje vi o dono do cão Marmaduke. Era ele, era. Tinha o cabelo cortado à tigela, o osso da nuca saliente e uns pelos mal semeados nessa região. Obviamente o boneco animado não mostra a sua traseira mas pronto. E está mais velho, ah pois, que os anos também passam por cima do cinema de animação, era o que faltava!
60
Tecidos, caixotes de retalhos. Envergo a saia que comprei na loja dos tecidos. Que embaraçoso quando o funcionário reconheceu o seu tecido. Fugi.
59
58
Lugar da musa. Café do bom. Corrijo: uma chaveninha de café do melhor que há. Calhou-me um pau de canela diminuto. Satisfez-me na mesma medida, que não se desvalorize os paus de canela pequerruchos, vá.
57
O quadro d' agora tem um homem nu, de costas, espreitando uma parede, ao lado duma janela, como se esta não existisse, o que lhe confere um ar aturdido, mesmo estando de costas, porque mesmo ele estando nessa posição, imagino-lhe a expressão e o que imagino é alguém aturdido, baralhado. A janela tem fita-cola castanha a fazer as vezes dos caixilhos de madeira. Agora a aturdida passei a ser eu...
56
|lisboa|
|praça de londres|
|25|
|julho|
|2013|
|14:00|
|25º|
|céu encoberto|
|corpo febril|
|cabeça latejante|
|praça de londres|
|25|
|julho|
|2013|
|14:00|
|25º|
|céu encoberto|
|corpo febril|
|cabeça latejante|
55
O senhor doutor vinha encasacado e engravatado, ia haver um evento especial, a apresentação dum movimento político ao nível autárquico. Fui expressamente convidada, fomos todos expressamente convidados, inclusive para se ocupar lugares de honra... Mas não fui, o rico filho ontem fazia anos, não dava jeito nenhum.
Comentei com o meu colega que o senhor doutor estava muito mais simpático que o costume e o quanto a gente às vezes incha com acontecimentos importantes, mas não conseguia desdenhar dele e mais não sei o quê porquanto gosto muito deste senhor, acho-o especialmente natural, o que me desafoga e o caraças.
Sou tão boa pessoa... Olha eu a não conseguir mangar do senhor doutor todo bem vestido...
54
Dou diariamente atenção aos peixinhos. Às sardinhas impressas nos pacotes de açúcar, quero eu dizer. Preciso dos óculos para vê-las ao pormenor. É uma chatice. Este tem dois filhotes na barriguinha que só notei após colocar os óculos.
53
Tenho uma caixa dos segredos. Não convém confundi-la com o post anterior, pois esse é uma metáfora. Sim, já aprendi a escrever metáforas.
Tenho uma caixa dos segredos, os segredos deixarão de existir não tarda nada mas vou continuar a possuir a caixa. A dita tem lá dentro um ratinho de plástico, um cogumelo em madeira pintado à mão, uma bonequinha da chicco e uma pétala de flor já seca. Foi forrada esmeradamente, pois quando não os minúsculos pertences perderiam o equilíbrio ou então enfiar-se-iam nas dobrinhas do cartão e desapareceriam e com isso eu sofreria atrozmente.
Caríssimos leitores, doravante conhecem segredos meus. Agradeço imensamente este bocadinho de atenção.
52
Que é isso?
É um pedaço de papel manuscrito.
Que vais fazer?
Vou guardá-lo na caixa dos segredos e morrer de tédio.
É um pedaço de papel manuscrito.
Que vais fazer?
Vou guardá-lo na caixa dos segredos e morrer de tédio.
51
O meu colega teve a visita da mãe lá no estamine dele. Na Radio estava a dar um programa de sexo, portanto ouvia-se falar de vaginas lubrificadas e pénis eretos, vontades e prazeres e químicas e fluídos corporais.
Mas o meu colega não se coibiu com tanto sexo no ar, continuou a ouvir o programa, mesmo com a mãe ali de visita. A senhora já não ouve lá muito bem e como o sexo andava apenas pelo ar...
50
«Em todas as coisas inúteis tem de se ser genial ou então não se meter nelas.» Paul Valéry
(Oh céus, que ando eu a fazer aqui...)
(Oh céus, que ando eu a fazer aqui...)
49
A tua voz e a tua entoação fazem-me lembrar alguém, e como não te vejo há muito tempo, provavelmente fazes-me lembrar tu próprio quando eras mais novo.
Hum...?
Tens uma entoação peculiar e fazes-me lembrar alguém, e eu estava a dizer que às tantas fazes-me lembrar tu mesmo mas quando eras mais novo.
Ah...
Bem, mas agora não te enchas de vergonha, fala à vontade.
Não estou envergonhado, é que fiquei confuso...
48
Das papilas gustativas. Comíamos melão com notória satisfação. Fiz-lhe saber que a descrição dos alimentos é das mais difíceis de fazer.
- Oh, sabe a melão! Que é que queres que diga? - exclama ele, desvirtuando a minha afirmação.
- Não é isso - argumento - é explicar se o melão é granuloso, sumarento, doce ou ácido, muito disto ou pouco daquilo, que sensações transmite, o que faz lembrar... Esse tipo de coisas assim. E sou eu que tenho a mania da escrita e mais não sei o quê.
Pronto. Estacou. Matei o assunto. Sou uma assassina de conversas.
47
Mais uma criancinha por aqui adentro. Dizia aos pais que queria ver coisas. Coisas... Que ingenuidade, 'miguinho, quem dera ter a tua idade...
46
Cinco da tarde. Passam pessoas na rua de gelado na mão, lambendo e sorvendo com prazer. Muitas pessoas. Famílias inteiras. A boca num O e a guloseima enfiada lá dentro. Que imagem veraneante. Raios os partam. Férias e essas merdas. Bah.
45
69: ah, hoje estou com a sensação de que estou a ficar velha...
45: olhe, eu há pouco estava aqui a dizer à Carminho que hoje me sinto velha, veja lá.
69: hum, então se calhar quando eu chegar à sua idade, vou-me sentir assim...
45: olhe, eu há pouco estava aqui a dizer à Carminho que hoje me sinto velha, veja lá.
69: hum, então se calhar quando eu chegar à sua idade, vou-me sentir assim...
44
O telemóvel lindo da mamã tem chamadas não atendidas dum 211 qualquer coisa e montes de sms do hipermercado. Sou tão requisitada e não ligo porra nenhuma às pessoas.
Também ligaram dum 93. Atendi. Queriam falar com uma tal de Gina Eusébio. Quando disse que não era eu a pessoa exclama muito incomodada:
- Então como é que eu tenho aqui este número?!
- Alguém se enganou...
Às vezes custa um bocadinho fazer crer que não se está a desvalorizar a inteligência da outra gente... Ó 'miga, então como é que há-de ter sido, né? Difícil era ser doutra maneira...
43
Pesquisar no Google 'cigana da praça de londres' 'gina a mulher que tem um blogue'.
Pesquisei.
Deu um resultadão.
Pesquisei.
Deu um resultadão.
42
Mim: Mr. Flanders?
Ele: Hum...?
Mim: Mr. Flandres?
Ele: Sim.
Ah... Há horas felizes! Oh glória terrestre! Mr. Flandres visitou-me, comprou-me. Estivemos tão perto um do outro que já nem parece nada o Mr. Flandres dos bonecos Simpsons. Paciência.
41
É-se uma pessoa espetacular caso se empreste dinheiro ao patrão, não é? Hum, ok, vá, pronto, sou um espetáculo de pessoa. A sério.
39
Olhou-me em profundidade durante dois segundos.
Virou a cara para o lado logo após.
É pessoa para ter apetites díspares.
Ou isso.
Bipolar. Ser bipolar - vulgo pancada nos cornos - está tão na moda que já toda a gente sabe o que é.
Virou a cara para o lado logo após.
É pessoa para ter apetites díspares.
Ou isso.
Bipolar. Ser bipolar - vulgo pancada nos cornos - está tão na moda que já toda a gente sabe o que é.
37
Na Radio disseram que esta é a época do ano em que se lê nas revistas rosa que as celebridades detêm uma forma física invejável. Não nego que invejo a forma física dalgumas celebridades, mas invejo sobretudo os lugares que visitam e os meios que conhecem.
Hum, por falar em férias, agora ia para o bucho uma margarita de limão (com muito álcool) à beira duma piscina de água fria. Isto (a marguerita) sem estar preocupada com o peso (da idade).
36
Antes de adormecer senti a leveza do lençol e tive saudades do inverno, de quando os cobertores pressionam o corpo cansado, de como essa pressão aconchega e descomprime a turbulência dos dias, dando uma sensação de conforto extraordinária. Olha eu com saudades da porra do frio...
35
O choro liberta, mas momentaneamente, logo mais chega uma vergonha enorme, como se faltasse a coragem, como se não devesse faltar a coragem, estando por isso em falta → falta de coragem.
O choro liberta, vá, mas não consola. Nada disso.
34
A negra tristeza mina o que tenho de melhor, quer sejam os ricos filhos, o atencioso marido, a meiga cadela, a casinha, o blogue. Merda.
32
Trato respeitosamente dalgumas urgências que não são minhas. Lamento profundamente desconhecer se tratam algumas das minhas urgências do mesmo modo.
31
Uma gaja no meio de gajos saca da pressão de ar e atira chumbos a uma garrafa de plástico estrategicamente colocada em cima dum muro para se lhe acertar. Uma gaja consegue acertar na garrafa à segunda tentativa. E para subitamente de atirar. Parou. Irrevogavelmente. Irrevogavelmente é uma palavra tão na moda por estes dias. De volta à gaja. Uma gaja quer retirar-se no auge da carreira de atiradora exímia, não fazer como a fadista que cantou até que lhe doesse a voz e não se lhe percebesse nenhuma palavra do lamurioso canto.
Há gajas inteligentes. As gajas inteligentes assemelham-se em muito aos gajos. Porra pra isso. O papel da mulher é parecer burrinha, fraca e duvidosamente submissa.
30
Como baratinar o cônjuge no hipermercado: dizer 'olha querido, debruça-te tu e tira as coisas do carrinho que eu hoje não me apetece mostrar as mamas ao pessoal'.
29
Dei um encontrão numa daquelas divisórias à entrada do hipermercado que supostamente estão lá para se apanhar larápios e não para senhoras distraídas darem encontrões. O segurança riu-se. Riu-se do meu desempenho (ai credo, disse eu, mão no peito e mais não sei o quê), não da situação. Sou tão grácil...
Não é costume estas coisas acontecerem na minha vida, que sou extremamente compenetrada (hum...) e segura de mim (não sou nada...), de maneiras que é por isso que registo. (Ná... É porque gosto de escrever e pronto.)
28
Lisboa, Cais do Sodré, num dia qualquer. O Tejo tem a água barrenta. Hão-de ser cacos no fundo de si, certamente. Ou santos de barro desfazendo-se por causa das boas obras dos lisboetas.
27
No sábado a Gina tem de :
• Limpar a sala como manda a diretriz
• Fazer a comida como manda a imperatriz
• Ser bela como manda a meretriz
A meretriz
apareceu só para fazer rimas com o que se diz
e não ia conseguindo fazê-lo por um triz
• Limpar a sala como manda a diretriz
• Fazer a comida como manda a imperatriz
• Ser bela como manda a meretriz
A meretriz
apareceu só para fazer rimas com o que se diz
e não ia conseguindo fazê-lo por um triz
26
Encontrei a merceeira lá de baixo no bazar do centro. Falámos o circunstancial. Curiosamente, o estado do tempo não entrou nas falas de nenhuma de nós.
25
Vi na tv:
frutos vermelhos congelados (400/500 gramas)
iogurte grego (1=125 gramas)
mel (3 colheres)
manjericão fresco (3 folhas)
Liquidificar primeiramente os frutos, juntar o iogurte, o mel e o manjericão mais ou menos a meio da liquidificação daqueles. Obter-se-á uma mistura consistente e gélida, tipo granizado. Deve ser bom. Hum. Oh céus.
(Um dia faço.)
24
Vi na tv:
pêssegos em pedaços (3 ou 4);
água (1 decilitro);
açúcar (2 colheres)
cravinho (3 ou 4);
alecrim fresco (1 pé);
baunilha (1 colherzinha).
Lume:
depois de ferver, vigiar 5 minutos e desligar. Convém que esteja um preparado xaroposo, com os pêssegos não completamente desfeitos.
Agarrar em:
gelado de baunilha (1 bola por pessoa)
amêndoas e amendoins picados e torrados (quanto baste).
Envolver a bola de gelado nos frutos secos e colocar numa taça de gelado que já contenha o doce de pêssego ainda quente. Ingerir. Deleitar-se. Creio que não se resistirá.
(Um dia faço.)
23
Acidente na rotunda, por causa disso fiz gincana por entre três carros estampados. Não teria sido mais giro se estivesse no parque de diversões ou na feira de variedades.
22
Rico filho saiu para fazer um recado a si mesmo.
«Podias ter levado o carro, que hoje ficou cá...», brinco eu.
«Se eu soubesse...», brinca ele.
(Oficialmente o rico filho ainda não pode conduzir mas está mesmo quase, mesmo quase. Quase, quase. Mesmo.)
21
Rica filha:
«Eu ouvi a televisão a dizer as palavras 'ingredientes' e 'confeção' e vi logo que estavas em casa... Não podia ser o mano, né?»
20
De manhã fui passear a cadela. Quando dei por mim tinha o caminho percorrido. Não vivi. Não sei se fui feliz. Bah.
19
Fiz a ronda e encontrei uma meia perdida, escondida pelo suporte do corrimão da tosca escadaria. Era preta e solitária. Sem par. Uma tristeza.
18
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Tris:
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Pedido:
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Quase mantra:
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Efetivamente. As repetições ajudam. Urras.
Tris:
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Pedido:
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Quase mantra:
Falem sobre os jogos mas não falem dos deslizes.
Efetivamente. As repetições ajudam. Urras.
15
Olha a vida a surpreender: não falámos de putas nem de religião. Que amiguinha, esta vida, e lá me vai surpreendendo, ah pois.
14
Vi-lhe uma agilidade imensa; os dedos mais céleres que já conheci. Porra para o homem, pá. Estou a falar do bancário do costume a dedilhar no pc. Que rápido, fiquei impressionada.
13
Um menino entrou-se-me loja adentro e detendo-se junto ao pc quis saber porque tenho um 'contutador'. Não tendo a mínima vontade de falar fiz-me tão infantil quanto ele, o petiz questionava-me sem descanso e eu fingia-me de surda, hã?! e hã?! e hã?! a cada perguntinha.
'Contutador'... Quase suprime a sílaba 'tu', este menino, na verdade vocaliza 'contador'. Estive para me armar em adulta e corrigi-lo, ensinando-o a dizer corretamente 'computador', só que ia ter de enfatizar as sílabas 'pu' e 'ta' e existia a eventualidade de aquilo subitamente se tornar esquisito, 'inda vinha de lá a mamã ralhar comigo e coiso.
Não. Nada disso.
Finalmente ganhei juízo - note-se que a criança estava a ser mais crescida que eu -, arranjei uma seriedade e uma paciência que não sentia e disse que o computador era para fazer faturas.
«Então porque não estás a fazer faturas?!», pergunta ele.
«Porque não tenho clientes.», disse eu.
Foi-se embora, provavelmente por não ter idade para saber como continuar a conversa.
Sozinha, outra vez. Nada mau.
12
Nos passeios: acompanhar-me-iam duas pessoas de bom grado.
A saber o que penso antes de adormecer: quereriam ouvir-me duas pessoas. As mesmas que dos passeios. Não debitarei conclusão nenhuma, fica no sentimento.
10
Nas redes sociais as pessoas aprendem o peso que as palavras têm, mesmo os que não são escritores nem desejam vir a sê-lo, mesmo os que apenas querem mostrar graçolas aparentemente inócuas, debitar sentimentos, desabafar infortúnios e outras coisinhas puramente corriqueiras, mesmo que queiram referir-se unicamente a si próprios.
Quando se escreve a partir duma qualquer plataforma, num mural do ciberespaço, aprende-se que a palavra escrita é pesada por demais, e portanto nem sempre se consegue sustentar o que se anuncia, mesmo não passando de coisinhas.
9
Signorina, disse ele.
Signorina.
Não sei se o homem é italiano, e a bem dizer tal coisa não tem interesse nenhum, só o tem o facto de ele me ter tratado por signorina.
Vou a Itália.
Faltam 39 dias.
Signorina.
Não sei se o homem é italiano, e a bem dizer tal coisa não tem interesse nenhum, só o tem o facto de ele me ter tratado por signorina.
Vou a Itália.
Faltam 39 dias.
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Não gosto de andar de táxi. Chamam-lhe paranoia mas asseguro que não é. Paranoia é um problema inexistente, uma invenção tola das cabeças vazias. Não gosto de andar de táxi, tenho problemas com isso, são problemas que existem. E pronto.
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De costas. Que crónica incrível. Ler texto abaixo, por favor.
Que incrível o facto de colocarem as estátuas de costas umas para as outras, nenhuma se vê de frente. Ver fotos abaixo do texto, por favor.
«Sonhei que saía à rua e que estava tudo de costas. Só se via a parte de trás das casas e a nuca das pessoas e os traseiros dos cães e as caudas dos pássaros. Caminhava por uma ruela traseira que em vez de mostrar as montras das lojas revelava a sua parte de trás, o seu lado obscuro. O mundo tinha-me virado as costas. Virei a cabeça para trás, pensando que, desse modo, veria narizes, olhos, bocas, pálpebras, mas para onde quer que olhasse só via nucas, nádegas e omoplatas. Quando me resignei ao espetáculo, apercebi-me da pouca atenção que costumamos prestar a esta parte do corpo e da realidade. Trabalhava, no sonho, como ajudante de um fotógrafo que só fotografava o inverso das pessoas e das coisas. Naturalmente, eu só via as costas do fotógrafo. As paredes do seu estúdio estavam cheias de pessoas que só mostravam a nuca. No meio de todas aquelas fotografias, vi a de uma árvore que era uma raridade, pois as árvores não têm parte da frente nem detrás. (…)
A vida quotidiana estava cheia de pequenas dificuldades, pois em vez de lavar os dentes tinha de me conformar com raspá-los com a parte de trás da escova. E para tirar a pasta de dentes, tinha de apertar o fundo da bisnaga. Naturalmente, usava as camisas do avesso, o que era uma tortura quando tinha de apertar os botões. O pior, contudo, eram os livros, pois só se podiam abrir por trás. Ao princípio, lia-os de trás para a frente, mas passado algum tempo, comecei a lê-los diretamente ao contrário. Quero dizer que a realidade teve de repente, ainda que com a naturalidade com que se vivem as coisas mais estranhas nos sonhos, uma mudança subtil, de maneira que a partir de determinado momento as coisas, não apenas estavam de costas, mas ao contrário. A minha família, por exemplo, tinha as vísceras do lado de fora, tal como o canário. E em vez de me dizer bom-dia, diziam aid-mob. (…)
Sorri ao imaginar que o passo seguinte consistiria em viajar pelo avesso da realidade. Ao sorriso seguiu-se um movimento de pânico. Calhou que eu passasse junto a uma estação de serviço que estava de costas para a estrada (o mais certo era a parte da frente dar para a autoestrada). Também vi a fachada das traseiras de vários restaurantes. Compreendi que devia voltar imediatamente para a autoestrada, mas não via como fazê-lo; não havia nenhuma indicação a anunciá-la. E se me resigno, perguntei a mim próprio, a chegar ao meu destino viajando pela parte de trás? Fi-lo, resignei-me, mas com muito medo. Compreendi, ao terminar a viagem, até que ponto estamos habituados a viver só numa parte da realidade. É um erro, como se só habitássemos uma parte da nossa casa ou do nosso corpo.»
'Os Objetos Chamam-nos', Juan José Millás
Lisboa - praça de Londres, 25 de julho de 2013 |