sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Diz que

Diz que a gente salgar demasiado a comida é paixão na certa. Sou mulher para me apaixonar facilmente, lá isso é verdade... Mas agora a sério, ando a salgar a comida pra caraças, que raio se passa?!
Vamos pesquisar paixão no blogue? Vamos! ... Lembrei-me... E... Isso... Assim...



A paixão é não manter o ar no peito se não estamos com
A paixão é o pensamento fugir incessantemente para
A paixão é não se suster mudo e quedo quando
A paixão é ser hipnotizado, tomado e largado se
A paixão é assim, sei-o firmemente, apaixono-me amiúde.



Deixou-me um molho de chaves para copiar. Vou ali assim arranjar as mãos à Carminho, não sei se conhece, diz ela, e já cá venho buscá-las. Conheço muito bem, afianço. Podia até contar-lhe a minha história. Hum.
|Contei-lhe a minha história.|
Ah que giro, daqui a nada também lá vou! Ai sabe lá o que tem sido a minha vida, não sei que faça, se primeiro os pés e depois as mãos, se primeiro as mãos e depois os pés. Tudo por causa da secagem do verniz e da mota e do frio que faz. O verniz já eu escolhi, olhe, até pintei uma unha para testar, olhe aqui, não é tão lindo. É maravilhoso, hum-hum, pois é. Pintei uma só, que uma só chega. Coral, diz o frasco. Espere aí, vou buscar. Meet Me At Coral Island. Só o nome... Ahhh, tão bom. Adoro, adoro, adoro! Lembra férias e praia e ondas do mar, pequeninas, paixão e aventura. Claro que não foi por causa da paixão e da aventura... Pronto, mas a cor é tão gira, é tão gira. Quer levar e mostrar à Carminho? Diga que foi a 'menina Gina', é assim que ela me trata, 'menina Gina', diga que sou eu que mando. Ah não quer... Pois, o estacionamento aqui é só para residentes, é.



Estou para aí a meio do filme 'As Paixões de Julia', o filme que gravei, fiz uma interrupção para estender a roupa e olhar pelo bolo.
Não tem lá muita piada, o filme, mas pronto. É sobre uma mulher de 45 anos que se apaixona por um jovem de vinte e picos e obviamente é uma paixão efémera e interesseira da parte dele, e é uma paixão intensa e obcecada da parte dela.



Há aquela pessoa que vem descendo a avenida - fá-lo de segunda a sexta, sem falhar um dia - e te olha atentamente, como se quisesse descortinar a tua personalidade, não se contentando com a aura misteriosa que demonstras. O amiudado interesse faz brotar a paixão e comprazes-te nela, um poucochinho que seja. Entretanto engendras um plano na tua cabeça: amanhã trarás uma resma de folhas contigo, quando te cruzares com o dito cavalheiro deixa-las cair propositadamente ao chão... Bem, talvez não seja precisa uma resma, quaisquer dez ou doze folhas chegam para que o cavalheiro dobre a espinha e te ajude a apanhar as folhas perdidas e espalhadas pelo chão da avenida.
As mulheres apaixonam-se tão facilmente. Descobriste um poema que fala disso e tudo…

Paixão fácil

Há cavalheiros
Muitos
Não suficientes, porém
Para a vontade feminina.

Há momentos cavalheirescos
São menos
Que os cavalheiros
São demais, porém…

É preciso cuidado
Que as mulheres
Apaixonam-se facilmente
Digo eu, a mulher.

Poema meu, publicado na antologia 'Poesias sem Gavetas'.



Voltei ao lugar da musa, após um intervalo de dias. As pessoas conversam. Corro o risco de me tornar repetitiva mas a verdade é que essa constatação me pasma e não é pouco.
Uma mulher emotiva proseia com paixão. Não quer que ouçam o que diz, baixa o tom de voz, mas tem uma dicção tão boa que ouvi tudo. Não vou reproduzir, não é aí que está o fulcro, é na paixão e na dicção dessa mulher.



Diz que (ouvido na radio) quando estamos apaixonados a nossa vontade é lamber o alvo da nossa paixão. Incondicionalmente, convém-me acrescentar. Ora bem... A minha cadela está apaixonada por mim.



Apaixono-me amiúde, fugaz e vorazmente. É, no entanto, sempre proporcional ao fervor pujante com que esmago essas mesmas paixões. Pena não ser tudo vivido em simultâneo, no mesmo momento, paixão e esmagamento... Aí sim, seria extático.



Ódios são ódios, não é. É. Se das vísceras, é mau, não é. É. Se de estimação, do coração, não é. É. Peut-être se acenda a fogueira da paixão...



Ontem, depois das sete, fui dar mais um passeio com a cadela, o derradeiro.
Dia de greve geral, a alameda dizia ‘greve geral’ na relva, lá em cima, junto ao IST. Devia ser para avisar os mais distraídos ou isso.
No semáforo oposto avisto a Glória de Matos, esperando o verde, como nós. Pensei dizer ao cão*: ‘olha Olívia, vês aquela senhora? É uma atriz conceituada da nossa praça.’
Mas não disse.
Notei que a senhora se mostrava ansiosa, quase trémula, esperando o verde, e pensei que era tal e qual uma ou outra velhinha que nem são do panorama artístico português nem nada; uma velhinha esperando o sinal verde; uma velhinha igual às outras, até podia ser a dona Lurdes, com os seus medos particulares.
Cruzámo-nos, a atriz agora em passo seguro, ao depois do ligeiro tremor de dúvida: como atravessar; se atravessar; quando atravessar; etecetera, eu e o cão, meros transeuntes; anónimos; transparentes.
Descemos a avenida e fomos dar à praça com nome britânico, virámos à direita para percorrer meia avenida francesa para aí encontrar uma outra praça, com nome de cientista francês.
Ainda pensei levar a cadela a ver a minha rua preferencial e o jardim da minha paixão, e chegadas lá falava outra vez com ela, segredando: ‘olha, Olívia, vês, este é o jardim onde venho coisar’.
Mas não.
Se bem que devia aproveitar o amor da minha cadela, a sua atenção desmesurada e falar-lhe das minhas coisinhas e de como as coiso. Se virasse na rua do poeta contemporâneo de Camões, iriamos lá ter.
Mas não.
E que tal contrariar tudo e apresentar-lhe a bicicleta bê de biragem?
Não.
Sentei-me um pouco. A cadela ficou em pé, não curte ter o rabinho assente em pedras irregulares como são as daquele jardinzinho que sempre me lembra o leite pasteurizado. Sim, o leite e a praça têm tudo a ver… Praça Pasteur. E não ofereço mais referências nenhumas.
Tirei fotos.



Às vezes escrevo só porque sim. Não sei se acontece o mesmo à outra gente que escreve, que eu estou sozinha neste mundo literário, bem como no outro mundo, o dos pura e somente leitores, ou ainda no mundo dos que não escrevem nem leem, e se não estou sozinha, estou ausente ou apática ou dormente ou outra coisa qualquer que me impede de conviver saudavelmente.
Mas dizia eu: escrevo só porque sim. É comparável ao ato doméstico de despejar o lixo, se não se abolir os destroços diariamente, os mesmos acabarão por ocupar um espaço desnecessário e ademais fede e empesta o ar. A minha cabeça funciona assim, tenho de dar vazão ao escriba, mesmo rabiscando sem prazer, paixão ou amor.
Sou muito boa nisto de escrever, afinal, uma vez que consigo fazê-lo sem impulso, ou, ainda, algo contrafeita. Há que persistir.



Reparo nas pessoas que demonstram algo |leia-se interesse| intensamente num dia e vai daí noutro dia a paixão amaina-se-lhes.
Não chego a ficar triste pelo fulgor extinto, não é nada disso, apenas reparo nesse facto, para mim não é impercetível e ademais gosto de escrever.

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