segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Até ao Fim

Pergunto-me se tenho de escrever. Digo-me que sim. Mesmo forçadamente. É por causa desta tosse que não me larga...

Da janela do quarto do Hermano pende um cobertor vermelho com o intuito de apanhar ar. Sei que é segunda-feira, sei que o Hermano agora tem friozinho, que há duas semanas o cobertor não se avistava, apenas a colcha de baixo se deixava ver.

O papel na porta do consultório do senhor doutor está enrolado na extremidade de baixo. Aquele papel onde se leem letras garrafais, grandes, assim-assim e picarruchas, para os ceguetas verem – par os ceguetas verem, não é o máximo?! - até que ponto têm a visão estragada. Ou então rejubilarem por não terem a visão estragada.
O papel está enrolado porque passou o verão naquela divisão e já antes disso tinha passado o inverno, a humidade evaporou e o papel encarquilhou. Agora que a humidade ainda não penetrou nas casas, o papel lá está, fingindo um verão que não existe lá fora.

O pensamento é abstrato, tão veloz que quando idealizo as minhas criações literárias, as mesmas me parecem pequenas maravilhas do papel ou da blogosfera. Depois, vai-se a ver, quando há ecrã e teclado, a maravilha desfaz-se.

Ando nisto do blogue e o caraças há anos... Mas ainda não se me evaporou a ideia de que o que mais faço é usurpar pedaços da vida alheia. Sou uma usurpadora de cenas e frases e questões que não são minhas mas são por mim enaltecidas, deitando por terra as muralhas construídas a custo por todos quantos usurpo.

A dona Genoveva é uma fofa e uma querida e mais não sei o quê. Enquanto a ouvia relatar as suas cenas – das quais não vou fazer registo nenhum por agora – imaginei-a numa entrevista de tv. Havia de ser giro, a dona Genoveva, uma mulher aparentemente conversadora mas rapidamente monopolizadora, açambarca toda e qualquer atenção e mostra-se imparável no monólogo. Seria um monólogo, sim. Pobre do entrevistador, pobre de mim. Se o entrevistador fizesse a pergunta cliché do 'Alta Definição': o que dizem o seus olhos?, ela não esconderia de ninguém:
Os meus olhos dizem que eu gosto muito da Gina, que ela é muito boa ouvinte, e que eu tenho de vir aqui desabafar com ela, porque ela ouve e escuta, é como ir a uma sessão no psicanalista, e ela sabe muito bem que eu só falo acerca de mim mesma e das minhas questões.

Dez por vinte. Temos dez dias de calmaria, com regulares picos de felicidade intensa. Temos vinte dias de vendaval interno, erupções constantes, vulcões e isso, e uma chuva de pingos grossos prestes a desabar. Temos problemas. São iminentes mas temo-los. Temos de falar assim, a fingir que somos outra pessoa, ou muitas, já se vê, tipo terapia de enfermeira, para pensarmos que não vai doer nada quando a agulha for espetada na nalga, o problema não é problema nenhum, é uma questiúncula desinteressante, que a bem dizer, nem sequer existe. Escrevamos, todas nós, pois é o melhor.

Há umas pessoas que vêm pagar dívidas. Bem hajam.

Penso que será boa ideia dizer agora que trabalho numa loja. É bem, os leitores do costume já conhecem esse facto, mas os que chegarem agora, sabem lá do que falo!

A rica filha quer ir ao concerto dos One Direction, mas não tem dinheiro nem teria pachorra para estar numa fila imensa. De vez em quando solta o que parecem ser gemidos aflitivos de desgosto – porque já não há bilhetes, ou lá que é – ou suspiros angusitantes – porque ela queria muito ir – e vai especulando questões aqui e indagando ali, com as mãos debaixo do queixo e aquele ar sonhador de fã incondicional... (Mas pouco.)
Uma das questões mencionadas debaixo da postura sonhadora que acima descrevi, foi:
– Quem será a primeira pessoa a entrar pela porta da entrada naquele concerto...?
Ao que o rico filho remata, com a razão a assisti-lo:
– É o porteiro.

A minha cadela comunica e eu falo com ela. Olha, Olívia, já viste ali na tv, uma gaja gorda a falar com um gajo? Afinal as gordas também podem ser gajas boas e ter gajos de roda delas. E ele fala com ela atentando na sua presença, fala com ela sem lhe olhar para as mamas, olhos nos olhos, portanto... Viste, Olívia? Tu és uma preta gira, porque as pretas também podem ser giras... E as gordas também podem ser gajas boas.

Dantes precisava de amigas para desabafar e não as tinha, não havia sequer pessoas da minha idade nos meus relacionamentos.
Depois passou a haver pessoas da minha idade, ou amigos(as), por assim dizer, saíamos e estávamos juntos, divertíamo-nos e tínhamos histórias para contar uns aos outros ou vivências em comum, o que contribuiu largamente para a minha felicidade.
A seguir fiz escolhas, os(as) ditos(as) amigos(as) não me interessavam assim tanto, não havia assim tanta harmonia, a idade era outra e a paciência diminuta para certas coisas.
Hoje, embora me relacione com gente da minha idade, sei que não tenho amigos. Assumo a culpa dessa ausência, sou eu que me mantenho num lugar intransponível.

Encontraram-se as duas numa dessas portas extra seguras duma dependência bancária. Uma fez a Outra esperar. A Outra não curtiu e cena e disse que assim nunca mais saía dali. A Uma pede desculpa. A Outra faz um estalido com a língua como se lhe estivessem a mexer na... nas... como se lhe estivessem a mexer em algum lugar do corpinho onde não lhe apetecia mexedelas, pronto. A Uma ainda faz uma vaia de gozo, ai desculpe lá, sim?
Daqui a nada vão escrever no facebook, agora é assim que funciona o mundo dos pequeninos...

12:29. Literalmente, em matéria de letras, quero eu dizer, estou imparável. E não se julgue que não tenho trabalhado - e ainda por cima cheguei atrasada – mas é que tenho sempre muito a dizer. Escrever, queria dizer escrever.
Já vendi umas coisitas, sim senhores, marquei um trabalho, sim senhores, e retirei metade dos produtos que compõem uma das montras – que vou modificar não tarda – e arrumei-os nos seus lugares, sim senhores. Isto é que é trabalhar!

Sim, eu sei, ninguém vai ler este texto enorme, vá, eu sei. Mas agora é necessário retirar-me da luz, ando aborrecida comigo e com o modo parvo que uso para fazer as minhas divulgações esquisitas, e também não sei o que ando a fazer blogosfera fora, debitando sequências de vidas que não me pertencem. Ninguém vai querer ler de si mesmo, não serve de nada estar a dizer às pessoas 'ah, eu tenho um blogue e gosto de escrever e escrevo coisinhas suas' porque ninguém se quer ler a si mesmo, aqui ou em livro ou em porra alguma. Eu sei disso. A resolução deste problema estaria num céu doutra cor e num sol especial, mais especial ainda do que este que hoje teima em aparecer, mas eu não possuo essa arte de mistificar o que já existe.

Escrever é uma merda. A gente quer dar-se a ler, por causa daquela coisa do ego e o caraças, mas depois, acaba por se dar uma atenção desmesurada às pessoas em geral, atenção essa que nunca se verá retribuída na mesma medida. Esse pensamento transmite uma onda de solidão infeliz e avassaladora.

12:57. Vou almoçar. Sou mesmo célere nisto das letras e assuntos.

Aparentemente está feliz. Sorri e desliza a mão pelo cabelo, como se o penteasse em todo o comprimento, pendendo a cabeça para um dos lados, a ver se chega à raiz, quiçá ao cerne da alegria. Sorri muito. Bastante. Demais para um quadro assim como este. Talvez lhe cheguem cócegas debaixo da cadeira, ou alguém invisível a acompanha e lhe conta piadas exclusivas; privadas; inaudíveis para os mortais. Ou pode ser a revista cor-de-rosa que tem no colo e à qual dedica alguma atenção. Artigos rosa-choque... Essa literatura anedótica.

A felicidade pode ser momentânea. Tal e qual como o amor. É nisso que me basearei um dia destes. Momentos; espasmos; picos; níveis elevados.

Creio que a obscuridade contém o palavreado de que necessito constantemente. Encontro essa obscuridade amiúde, ultimamente. Pode ser um lago pouco profundo, para eu conseguir manter-me à tona, respirando e vivendo, ou pode estar no céu, dentro duma nuvem fofinha que de vez em quando deixa escapar as palavras, ou no sopro do vento, que me canta o que devo escrever. Esse precioso palavreado está num plano diferente, vá, siga a vida.

O Natal já chegou à Galeria Acqua Roma e ao Pingo Doce de Telheiras, aquele que se vê da 2ª circular, em Lisboa. Brilhoso mas pouco, este Natal, como que tendo medo do Gaspar ou outro gajo qualquer dos dinheiros, não se vá gastar muito e depois a culpa é do patronato ou do contribuinte, dependendo do prisma.

Passeio. Estou aqui e falo. As pessoas são as mesmas: a mãe com a menina pequenina mas com idade para a mamã não ter de a ir buscar à escola com medo dos delinquentes; a mulher do cigarro aceso, com ar de quem não fode há muito tempo. Esta última oferece-me uma visão descombinada. Quem dera descortinar a verdade, pois uma mulher fumando com ar de quem não fode há muito tempo não é nada.

Está ali um que não se cala com as doenças do pai já falecido, o que tira a possibilidade dalguma mudança. Médicos. É de médicos, agora. Vá lá, assim já é uma conversa aceitável e frutífera. Falam de profissionalismo e competência dos médicos, já deixaram a morte, essa inalterável, de lado.

Fala ao telemóvel, a mão a boca, num esforço glorioso para que não se perceba nada do que diz. Glorioso, pois, que eu cá não percebo nada.

O dos médicos não se cala. Tem três ouvintes. Se acorrentados dalguma maneira ou voluntários é que não sei. Mas estão lá todos. Quatro. Porra. Quem dera ser assim. É que nem a escrever me safo.

Estou quase lá, sinto que estou perto. Ferve. Sou uma triste.

Telemóvel. É melhor ver as horas → 14:28. Já venho.

Sim, sou isso mesmo. Deve ser da perversidade excessiva. Manias...

Ah, é verdade, o fim-de-semana foi bom. Muito bom, afinal. Fomos a Sintra, ao canil, mostrar a cadela. Ela reconheceu imediatamente o tratador que lhe dava a comida, já um outro que pouco lidou com ela não lhe ligou nenhuma, afastava-se, desinteressada do cheiro dele.
A serra de Sintra, castanha e húmida, é linda. É tão húmida que se ouve um pingar constante, sem que se veja os pingos e na verdade mais parece um crepitar que outra coisa, se bem que crepitar e humidade não se misturam, um anula o outro.

Devo ter o 'perfeitamente incapaz' inscrito na frente. Só pode. E em letras arial black; tamanho 48; caixa alta. Assim até os míopes ficam conhecedores deste facto aborrecido. Pensando bem, devo ter essas duas palavrinhas inscritas também na parte de trás, para ninguém perder a oportunidade de.

Uma oportunidade espetacular. Desperdicei-a. Outra oportunidade fantástica, embora um tudo-nada menos especial. Não houve coragem. Não tenho grande dose de coragem em mim. E quantas vezes arranjo a coragem imbuída pelo 'tem de ser...'?

A coragem é proporcional ao ensejo. E ao desejo.

É penoso para mim pensar que não posso viver doutra maneira. Eu não quero escrever, não quero continuar com o blogue, é tão inútil quanto disparatado. Estou cansadíssima.

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Que pena não existir um programa de computador que inserido nos olhos do homem do banco se lhes chispem ultrassons ou ondas hertzianas ou algo que não se ouça, de modo a que mal olhe para mim saiba imediatamente o número de conta e montante a depositar. Era fixe para aqueles dias em que não tenho vontade nenhuma de falar.
A saudação, vulgo boa-tarde, estou agora a lembrar-me, é dispensável, ninguém numa dependência bancária me vai admoestar, ah e tal a senhora entrou e não deu as boas-tardes e mais não sei o quê.
Mas eu dou a saudação às pessoas, mesmo que não me apeteça falar nem só um bocadinho.

Que não se duvide da feminilidade da minha cadela → a Olívia gosta de banana.

O sopro do dia. É um homem que vai beber um café e sopra para a chávena com grande vontade, próximo ao vendaval, proporcionalmente falando, estica as beiças e vai disto, sopra o sopro do dia.

A rica filha pertence à geração 'simultâneo'. Estuda semântica e fonologia mais ou menos atenta a um pc portátil em cima da mesa, ao lado dos livros e folhas de apontamentos, o telemóvel também não está nada longe e a tv está ligada transmitindo uma série daquelas que ela gosta de ver.

O rico filho está um homem, já esquece as chaves e a carteira em casa. Felizmente há telemóveis, ligou a pedir que se lhe fosse levar os objetos esquecidos... À escola, que o rico filho está um homem mas ainda anda na escola.

A pobrezinha: tem cinco cêntimos na carteira, saldo negativo no banco, o ordenado em atraso, a despensa meia cheia, ácido úrico a mais e uma grande dor de cabeça.

Hoje continuo aborrecida com o meu escrever. Por ser forçado, por estar viciada, por não encontrar outra forma de aguentar a vida.

Invejo as pessoas todas; todas me parecem felizes, ou, ainda, tão menos infelizes que eu. A minha vizinha, por exemplo, foi dispensada duma empresa pública onde trabalhava há anos, e eu cá, se fosse ela, estaria felicíssima por não ter de vir para aqui, por não ter de vir aturar as mesmas pessoas, por não ter de dar os bons-dias a quem não merece, por não ter de ver caras.

Resolução: olha pá, o melhor é.

Nunca conheci ninguém como ela, fala que se desunha mas é tudo a meias frases, inicia a (suposta) conversa e depois faz um gesto largo com as mãos ou franze-se toda para se exprimir. E eu percebo-a, claro que percebo, ela é verdadeiramente expressiva.

Neste momento estou um tudo-nada arrependida de ter dado início a esta catrefa de escritos, esta verdadeira maratona de coisinhas fúteis, ideias parvas e outras trivialidades. Acabo por ter de colocar este post enorme em praticamente todas as etiquetas que já criei para o blogue, e se um dia quiser referir-me a uma dessas coisinhas triviais não vai dar para fazê-lo. Não estou a isolar os factos, portanto, e assim talvez lhes esteja a retirar importância e interesse. Depois há outras questões, quanto a mim pertinentes: como é que o leitor vai comentar um destes espasmos literários se o quiser efetivamente fazer? E, pior ainda, quem é que vai ler esta compilação avulsa?!
Mas vou continuar, meti isto na cabeça e assim sendo, aqui me tendes. Portanto: salvo desejo em contrário ou súbita mudança de opinião, vou continuar até sexta-feira, pelo menos.

Milena toma chá com a dona Lurdes. Dulcineia entra na cafetaria – devia ser salão de chá... - e vendo as duas cochichando faz um esgar de curiosidade, fugaz e impreciso.

Andou a pôr anúncios no jornal, a reforma era pouca e a solidão era muita. Conseguiu uma série de pretendentes, se é que se pode chamar pretendentes – porque não repescados? - a estes cavalheiros da cama vazia e damas do desalento. Ela conseguiu. Depois de escrutínios, critérios e apuros vários escolheu dentre dois, não o mais bonito, antes o que mais lhe convinha. Juntaram os trapinhos, oito anos de junções, depois acabou. O homem era calado e ela tagarela, não deu para aguentar mais tempo a disparidade. Hoje não vivem maritalmente mas vão-se amigando de quinze em quinze dias e é sempre ela que dá o primeiro passo.

São 14:30 no relógio e o sol vai tão alto como se fossem as 20:00 dum entardecer de junho.

Faço um esforço descomunal para me dar com as pessoas. Prova disso é a minha atividade no Fuçasbuque, lugar virtual que não aprecio de todo e, bem vistas as coisas, desprezo. Ainda assim esforço-me. Vá lá, Gina Maria, tens de te dar às pessoas, fazer, aparecer e acontecer. Mas há algo a impedir a interação: mandei uma mensagem a um coautor que ao que parece afinal não foi enviada, e publiquei uma espécie de poema no mural da editora, que tem um evento, ou lá que é aquilo, em que se pede aos participantes que divulguem poesia, acontece que quando cliquei a minha espécie de poema aparecia publicada na página, sim senhores, mas depois não sei que raio aconteceu... Escafedeu-se!

Aviso aos familiares: se querem dar-me apreço, é agora, não esperam pela minha morte. Morta não ouvirei elogios ou juras de todas as formas de amor. Deixem-se dessas merdas do póstumo e o caraças e venham cá dar-me abracinhos enquanto há bafo e corpo quente.

Escrever é fingir certezas. Vá lá, finge, ao menos isso.

Se sei fingir? Claro! Eu sou mulher, homessa!
(Não fica tão bem mulher logo seguido de homessa...?)

O mistério, esse estágio que todos querem atingir. Quero ser misteriosa, não passar pelo aborrecimento de me explicar, principalmente explicar o que registo no blogue. Quero que se entenda mas também se saiba. E eu caladinha, misteriosa. Quimera...

Ninguém quer estar com os loucos. Não sou um génio mas devo estar lá perto. Tenho para mim que a solidão, quando imensa, se transfigura em genialidade para o ser solitário. É só para ele, obviamente, que ninguém quer estar com os loucos.

Para deixar o modo egocêntrico de escrever tenho de chamar a Paulina ou a Milena ou a Tomélia ou a Eufélia. Mas nenhuma está em casa...

Falava horas sem fim. Fim.
Depois do fim agarrava no carro e ia comprar as mercearias de que tinha falta.

Há um 'depois' de cada 'fim'. Chama-se 'ciclo' ou então 'renascimento'.

Esboços. Melancolia. Saudade. Insatisfação.

A bem dizer o que eu queria mesmo era morrer mas creio que viverei até aos cem anos, pois se repudio as pessoas também saberei fazê-lo à morte.

Ela está mais velha e mais gorda. Os olhos pequeninos estão agora ainda mais juntos, pela força da idade, quiçá pelos problemas. Tem, ela também tem problemas, montes deles, carradas. Óbvio. E maiores, bem maiores. Óbvio.

Às vezes assalta-me a questão de saber escrever ou então não. Desconheço o que significa saber escrever, bem como estar longe de saber fazê-lo. Primariamente, parece-me que saber escrever é ser entendido a priori. Por esta ordem de supostos ideais... Blás.

Sete e picos, lá vou eu deambular, o que não produz efeitos desejáveis na minha cabeça. Mas siga a vida.

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Meio-dia e um quarto. Cheguei há pouco, fui ao senhor doutor, mas não me vou pôr para aqui a escrever das maminhas crocantes do queque nem do copinho de leite nem do homem da cafetaria nem da chuva. Vou-me pôr para aqui a escrever das senhoras que eu vi de passagem na estação de metro. Ontem, uma dessas senhoras, comprou-me pedrinhas de cânfora, não sem antes perguntar como estou nem sem que eu tenha dito que estou ótima, obrigadinha, porque a verdade é que se eu fosse dizer que estou doente e abatida ela não quereria saber, ó 'miga que é isso, problemas toda a gente tem, diria.
Noutra estação de metro vi a outra senhora, a que um dia se me chegou aqui dizendo que tinha acabado de lhe dar um ataque de pânico. Tão forte, tão forte, menina, dizia ela pondo a mão na minha mão, numa ânsia de contacto físico. Ora bem, fiquei sem reação, claro, ia dizer o quê? Não sei. Não é que não queira saber das pessoas, foi antes falta de palavreado apropriado, o confronto com esta realidade tão chocante paralisou-me, fui incapaz de formular frases de alento.
(Não, a senhora das pedrinhas de cânfora não quereria ouvir as minhas queixas. Ouvir, ouvir, eu escrevi ouvir.)

Sonhei que tinha umas palmilhas engelhadas, sujas e fedorentas. Ainda bem que tudo não passou dum sonho.

O senhor Nascimento já deve ter morrido. É giro ver a morte e o nascimento escrito assim. É frio, também.
O senhor Nascimento era muito velho, tinhas as manchas da idade espalhadas pela cara, braços e mãos, as costas muito curvadas e contava mais de noventa anos. Ao tempo que não aparece, portanto já deve ter partido deste mundo. Quem dera estar errada e ele se me entrasse por aqui adentro agora.
Quando lá íamos a casa mudar as válvulas da torneira ou as fitas de estore, imperava o som da música clássica pelas divisões, aumentando ou diminuindo conforme nos movíamos dum lado para o outro.

Deambular pelo fecho definitivo do blogue, sem indagar, arranjar certezas e conclusões. Ser concisa e justa para com as vontades. Ou seja: manter o blogue está a revelar-se doentio.

O livro que anda na boca de toda a gente é 'As cinquenta Sombras de Grey' do autor E. L. James. À partida toda a gente diz mal, particularmente a gente da elite das letras, reagem como se o livro contivesse todos os males e o autor fosse um bicho papão e horripilante, não querem imiscuir-se em meras e ocas histórias que nem a literatura ascendem, segundo esses gurus. Ora bem, eu, que sou alguém que toda a vida viu amesquinhados os costumes e abalarem-se-lhe amigos às reboladas, acho que quem consegue num só livro, numa só publicação alcançar tamanha fama e agarrar leitores desta maneira é de louvar.
Tenho o estranho hábito de apreciar nos outros as qualidades que não possuo, é o que é.
P.S.1 Não li o livro, portanto não sei se gosto.
P.S.2 Não lerei o livro, não me parece...

Ontem queria acabar com isto. Hoje não. Hoje estou curiosa. Como será que me vou sentir amanhã? Terei a mesma vontade imensa de revogar esta existência?

São três à mesa, uma mesa quadrada, que giro. Uma delas mantém-se no lugar, as outras duas vão indo e vindo com livros nas mãos que depois mostram umas às outras, soltando ahs e ohs, apreciando e debatendo ideias sobre o que oferecer ao chefe, conferenciando entre si que após escolhido o livro rabiscarão dedicatórias na folha morta que geralmente os livros têm. A que está sentada só lhe interessa o preço, que de livros não percebe nada, ouvi eu.
O chefe... Não sei se é chefe mas faz de conta, escrever é fingir certezas. Ademais, que coleguinha simples e miserável mereceria tamanho empenho em ofertar? Obviamente é chefe, e muito chefe, chefe suficiente para ter uma prenda.

Pois é, estás a ver? Dás demasiada atenção às pessoas. Ninguém merece. Ninguém retribuirá. Nunca.

Sim, estou triste, hoje também. Já é corriqueiro, porém não passageiro. Ao momento não me convém pôr-me para aqui a debitar motivos e o caraças. Que se lixe. É um estado de espírito comum, habitual. Qualquer dia esta tristeza deixa de ser engraçada e espetacular até para mim.

Tenha um bom dia!, disse ele, parecendo-me sincero.
Gosto desta expressão, deste voto, parece mais quentinho que o vulgo bom-dia. Gosto de sentir este calor, no entanto não uso a expressão, acho-me feia e rude porque uma vez a usei para dar ênfase ao desprezo que sentia, desejando exatamente o contrário ao meu recetor. Eu queria era que a pessoa se lixasse naquele dia, se aleijasse, se estropiasse. Morresse.

A do diário comprou detergente para a louça e uma vassoura. Aparentemente lava a louça e varre o chão. Que asseadinha.

Chamo a atenção para o seguinte: não venham cá comprar parafusos, são caríssimos. Cinco cêntimos por cada um é uma roubalheira. Seis parafusinhos ficam a trinta cêntimos, assim ninguém lhes poderá chegar.

A ideia dum términus persegue-me, de momento não há nada que faça sentido ou que me oriente, nem fechar o blogue, nem escondê-lo, nem - e isso muito menos - deixar de escrever.

Não faço crer que sou uma pessoa fantástica ou que trabalho num lugar maravilhoso. Não faço crer mas gostava tanto.

Oito-um-três pode ser a doutora da frente com uma merdinha qualquer que quer ver resolvida ou a dona Rute a pedir injeções de mercadoria, que depois passa cá.

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Olá bom-dia! É melhor situar-me no tempo: hoje é quinta-feira, dia 8 de novembro de 2012.
«A vida não é bela.
As crianças são birrentas.
Os velhos são enfadonhos.
Os adultos são presunçosos.
A chuva é gelada.
O outono devia ser doutra cor.
Tenho dores pelo corpo.»
De notar que escrevi estas coisinhas todas dentro da minha cabeça estremunhada, acabada de acordar e ainda debaixo dos cobertores, portanto, o que de certa forma prova o estado de demência em que me encontro.

'Até ao Fim', é como se vai chamar este extenso post, escolhi há bocado, enquanto vinha no carro, ouvindo o radio, escutando uma canção dos Quinta do Bill. Vou imitar o título dum dos sucessos discográficos desse grupo, acho que tem tudo a ver com o que venho escrevendo desde segunda-feira passada.
Ou então não.
Não é nada disso.
O que eu quero é um título apelativo, cujo texto vingue na blogosfera e perdure durante anos, seja marca e mote dos bloguistas.
Ou então não.
Não é nada disso.
Confesso que tenho feito esta maratona de notas avulsas com a ideia subliminar de fazer algo enorme no sentido literal e que leve as pessoas a não lerem, numa espécie de vingançazinha estúpida. Se não leem noutras alturas também não leem agora, pronto. Não faço falta, a verdade é essa, ninguém nota a minha ausência.

Ainda no âmbito da extensão deste post, devo dizer que encontrei agora mesmo uma vantagem imensa neste registo copioso que tenho feito nos últimos dias. Ora bem, é assim: é fixe para as pesquisas, imagine-se alguém pesquisar uma parcela duma frase que eu tenha escrito, o google vai buscar, que é bem-mandado, depois as pessoas vêm à cata da busca, e querendo encontrar vão ter de ler isto tudo e maravilhar-se-ão com a espetacularidade aqui manifesta. Que fixe.

Se o homem da 'minha menher, isto a minha menher aquilo' vai lá para a igreja dele testemunhar como o senhor opera maravilhosamente na sua vida... Não vai haver tempo para ouvir a palavra, que faz tanto bem aos corações fiéis, nem para o grupo de louvor atuar, que tanto conforta alma. Que tagarela. Porra.

Acho que ficas aqui mal, este lugar é feio e nauseabundo. Tu és bonito e sorridente. Vai-te embora, vá, que destoas.

Não tem medo de estar aqui sozinha? Tão fofo.
Elas andam todas assim, essas cores são bonitas e ficam-lhe bem. Tão fofa.

Não sou daquelas pessoas do 'ai isto só comigo, pá'. Tudo o que me acontece, acontece à outra gente idem. Durmo e acordo, estou feliz ou desgraçada, como, vomito e... aquelas coisas, pronto, estou doente ou de saúde.
É por isso que busco vivências e observâncias, ou os engrandeço, para terem importância e me ilusionarem por serem diferentes.

Catorze e coiso → ah, cafezinho bom! Quão precisada estou!

Não me agrada ser confrontada com as opiniões que deixo no blogue. Bem vistas as coisas não gosto desses comentários, atrofiam-me. Isto porque um blogue
- o meu blogue –
faz-se de pedacinhos de sentimentos e/ou pequenos atos, e toda a gente sabe
– e se não sabe devia saber –
que o presente só interessa ao presente. O que escrevo agora, logo mais não importa, podendo, inclusive, perder a razão, pois o que mais faço enquanto escrevente deste blogue, é contradizer-me.

Não ande atrás de mim, que eu tenho medo.
Então saia da minha frente, que eu quero andar!

O Ricardo Araújo Pereira, enquanto caixa de banco, perguntou-me se está tudo bem comigo. E eu ia desfalecendo com tanta amabilidade... E à despedida disse até à próxima e tudo, ele quer-me lá… quer digitar números que eu dite… ver-me e assim... Oh céus!

Tive um quarto de hora um tanto ou quanto atribulado, montes de porcariazinhas que não se esfumavam nem por nada, difíceis de resolver pra caraças. Vai daí, ao almoço, pus vinagre na salada ao invés de azeite. Depois, ainda, por causa dos nervos e isso, sucederam-se uma série de chatices inconfessáveis. E é assim que a minha vidinha subsiste e não se conclui. Estou farta. Que merda.

Um dia destes, creio que está escrito neste mesmo post aí para cima algures, referi que assumia a culpa de não ter amigos. Porém, hoje lembrei-me desse item, e creio que é melhor mudar de opinião, eu não posso assumir essa culpa sozinha, se eu não tenho amigos é porque ninguém se quer dar como amigo; é por isso também. Assumo cinquenta por cento da culpa, vá. Siga a vida.

Foram quase todos embora. Qualquer dia nem tu te aguentas.

Aberta a época invernal (invernosa). Vendi um aquecedor de chão com duas varetas rubras, aquando no botão on.

Invernal; invernosa. Não é tão vasta a língua portuguesa? É tudo uma questão de escolha. A gente, os meros escreventes, podemos escolher dentre um parafernália imensa de vocábulos sinónimos entre si, escolhendo o que mais se adequa em termos de etimologia ou mera vontade do momento.

Cinco-á-tê-um; duzentos-mil duzentos e cinco; treze e cinquenta; pê-cê dois e dez, desajuste ligeiro → dois ou três. Sei umas coisas de cor, tenho-as num qualquer ficheiro do cérebro.

Estou extenuada. Não me apetece conversar; falar; ouvir. Não podemos todos ser átomos silenciosos até que me passe a crise? Por favor? Hum?

Tenho passado todo o dia de hoje terrivelmente baralhada da cachimónia. Ser e apresentar-me baralhada poderia ter montes de piada e resmas de interesse, mas isso é para outro corpo; outra vida.

O homem do autocarro chega ao terminal e sai para olhar para o ecrã onde aparece o destino a leds laranjas que alternam as informações Feliz Natal ou Boas Férias, conforme o mês em que estamos. Aparentemente algo não lhe estava a correr bem, se calhar queria outro destino, ou o anúncio de transbordo ou aluguer, não sei, não quedei para me certificar.
Se bem que estas coisas de autocarro hoje em dia estejam computorizadas, lembrei-me dos motoristas da camioneta da saloiada aquando da partida da garagem do Martim Moniz (Lisboa), antes de arrancar abriam um compartimento acima do banco deles e davam à manivela para desenrolar um rolo de localidades até encontrarem o lugar que queriam. E eu via passarem-me diante dos olhos localidades diversas, sonhando que um dia ia lá, mesmo não tendo a certeza da sua existência. Um desses lugares que apenas podia imaginar um dia vir a descobrir onde era, ir lá e passear, era Terrugem. Hoje, trinta anos depois, a relação que tenho com essa localidade são flocos de espuma e fibra sintética, que essa mercadoria vem de lá.

Olha só a exclamação sonante e mui expressiva do jovem revirando caixinhas de blush numa lojeca de bairro:
– Foda-se!
Não é amoroso?
Olha só a forma como termino a sucessão de escritos d' hoje. Não é fantástica?

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Experimento uma solidão que há muito tempo não sentia. A bem dizer, busquei este estado. Precisava dum deserto despovoado e de certo modo livre dentro da cabeça. Não é de todo agradável mas é o que se arranja.
Pouco interessam os amigos, afinal, pouco diferem dos conhecidos, afinal. A solidão acaba por ser benéfica e prazerosa, estou sozinha mas tenho um escudo que me protege das ferroadas, tiros e setas. Ninguém merece a minha a atenção, afinal. Falo da atenção sincera, aquela que dói quando não é correspondida, ou, pior ainda, quando é desdenhada.

Daqui a nada vou ao centro de saúde. Quem me quiser ver, levo um casaco vermelho. Ou esperem lá, não vai dar, isto vai ser publicado em diferido. Fica para uma próxima oportunidade.

No centro de saúde um homem jogava ao solitário no telemóvel enquanto aguardava a sua vez. Dez minutos depois o telemóvel tocou, ele largou o jogo e atendeu, cumprimentando o interlocutor. Após uma perguntinha do lado de lá, respondeu que estava em Mafra.
Ó 'migo, olhe que você está deslocado, pá, isto aqui é Loures!
À despedida mandou beijinhos e desejou bom fim-de-semana. Coisa boa.

O tempo passa e as caravanas também. Os cães ladram de longe a longe, numa ânsia de diferir o hábito.

Lápis não tem plural. E, vendo bem, não tem singular.

Vá, vai-te lá tratar, diz ele. Que giro.

A senhora doutora gargalhou para mim, quando me disse até à próxima. Hoje é sexta-feira, deve vir daí a boa disposição.

Caros clientes, terminou a viagem, bom fim-de-semana, diz o motorista da saloiada.

Três da tarde e eu a fazer um raio-x aos pés em duas frentes, ou seja: por baixo e de lado, nada de frente. Que estranho estar deitada numa maca branca e fria...

O sol lá fora destoa um bocado dos últimos dias. Bem hajas, ó sol, tinha saudades e nem sabia.

Não. Não e não. Nada disso.

A dona Carminda tem as unhas na cor verde-água, e nos anelares uma florzinha branca.
Verde-água. 
Verde-água; verde-água.
Deu-me uma nostalgia...
A dona Carminda não me curte. São cenas de gaja, a bem dizer inexplicáveis. Conheço o motivo para esta altivez mal disfarçada. Sei-o, pois. Mas não tem razão de ser, nem pouco mais ou menos. Acontece, porém, que a reciprocidade existe efetivamente e atua indubitavelmente e eu acabo por embarcar no mesmo sentimento mesquinho.

Um homem andar numa loja de vestuário perguntando à empregada se tem o tamanho xs é de pôr uma mulher nos píncaros. Três sonhos. Três. Três verdadeiras quimeras.
1) O homem comprar-lhe roupa
2) O homem saber o número que deve comprar
3) A mulher vestir o tamanho xs

Segundo uma notícia d' hoje, fresquinha, já alguém andou a dizer que agora toda a gente escreve livros, que até já a da drogaria escreve livros. Não é um espetáculo? Que maravilha, pá! Oh glória terrestre! Isto só pode significar que dou nas vistas.

Os tides e os omos agora estão de frente, os quantos e os skipes, esses continuam de lado para mim.
E é desta maneira profissionalíssima que termino a saga d’ hoje.
Despeço-me: até amanhã.

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Sábado. Há cheiro a bolo de marmelada pela casa. Gosto destas manhãs, mais que as de domingo, o sábado tem um sentimento a descanso que o domingo não destrona.
Isto de escrever sem publicar ainda não terminou, cá para mim terminará na segunda-feira à noite, pelo menos é a ideia que tenho agora.

Tenho a casa para limpar. Eu e os ricos filhos, a cadela fica a ver o movimento, ou foge dos barulhos e dos cheiros intensos a lixívia e outros detergentes.
Já vou às limpezas, ainda é cedo, se ligo o aspirador agora lá vem a vizinha dizer subtilmente que me levanto cedo...

O isqueiro pegou fogo a um fiozinho de esfregão que tinha ficado preso à asa da panela aquando da lavagem manual. Logo se extinguiu, que as labaredas aqui têm pouco alimento. Culpa da dona de casa, hoje atarefada.

Noutros dias também sou dona de casa, mas menos tempo seguido, é uma ocupação intervalada ou assim, alterno-a com trabalho e mimalhices.

14:16; muito bom, o bolo de marmelada; agradável surpresa. Há crumble de fruta no forno, hoje estou virada para a goludice. Carências...

Ele caminha, a compasso, estende e flete as pernas. Desloca-se.
Somos iguais.
Encontra um obstáculo, a traseira duma camioneta de carga que, comprida de mais, não deixa sobrar passeio. Ele soluciona: equilibra-se na beira do passeio, naquela fileira de pedras juntas umas às outras, fazendo a separação entre o passeio e a relva.
Somos diferentes.
Eu piso a relva, atenta às fezes caninas e à lama.

A rica filha quis lençóis de flanela, não porque esteja frio mas porque são fofinhos. Até bateu palmas.
O rico filho tanto lhe fazia, para não fugir à regra de macho: para que é que isso interessa? Lençóis de flanela, sim, pode ser, mãe.

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Domingo. Acordar e ir verificar se efetivamente os filhos estão nas suas caminhas, se chegaram bem das suas saídas noturnas, é indubitavelmente uma nova forma de ser mãe.

Sonhei um sonho erótico. Hum, a bem dizer sexual.
Está bom assim, não mexo mais na conversa.

11:00; e esta malta que não acorda, hoje nem a cadela me liga...

12:00; a sirene dos bombeiros voluntários soou. Não, não é que haja incêndio ou outra calamidade, é costume a sirene tocar ao meio-dia.

12:09; há pão de milho no forno, a amiga da rica filha pediu, para a segunda parte da festa.

Mãe: Ricos filhos, há roupa para dobrar, quem é o primeiro?
Rica filha: O mano!

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Segunda-feira. Sol a jorros, janela adentro. Que lindo dia! Vamos viver? Vamos?

Hoje não irei ao lugar da musa, o que confere à minha existência um certo ar de afastamento da escrita, porque é sabido, e se não é sabido devia ser, que o lugar da musa é altamente inspirador e revelador e motivador e retemperador. E outras coisas acabadas em 'or' para rimar com amor.

Não fui ao lugar da musa porque fui à Carminho tratar da beleza podo-qualquer coisa. Ela estava mal da tripa por causa da barrigada de castanhas d’ ontem mas eu fiquei com a parte podo que há em mim muito bem tratada e bem mais bonita.

É necessário organizar-me. Vou tratar disso.
Tinha de deixar chegar este dia, o derradeiro da etapa, para ver como está o meu interior no que concerne à invulgar falta de comparência perante a blogosfera, falta essa que impus a mim própria por motivos completamente absurdos.
Um dos motivos era acabar com o blogue neste dia, aqui ao fim das linhas, quando já ninguém lhe apetecesse ler, para não se dar por isso. No entanto fui-me sempre contrariando com a ideia de que assim pareceria uma perfeita cobarde, melhor seria publicar um post pequenino logo a seguir, pequenino, muito pequenino, pensei inclusivamente no título: 'Acabou' e no texto: 'O blogue que durou vinte e quatro dias'. Sim, de onze de julho até agora decorreram vinte e quatro dias, dei-me ao trabalho de os contar.
Outro motivo era o de querer punir gravemente os leitores, queria que a minha ausência fizesse sofrer horrivelmente uma multidão leitora, multidão essa que apenas existe na minha cabeça, pois na verdade os leitores deste blogue distam largamente daquilo a que se chama uma multidão, certamente não passam de quatro, e já estou a contar comigo mesma, que eu sim, leio o meu blogue e admiro verdadeiramente tudo quanto aqui deposito.
Outro motivo, ainda, era o de querer continuar a escrever sem me mostrar; não deixar a escrita radicalmente, uma vez que não consigo, essa força não está em mim, não escrever seria demasiado penoso.
Agora, hoje, estou arrependida de ter começado isto de ir escrevendo durante oito dias e publicar tudo duma assentada, mostrando uma enciclopédia bloguista tão extensa que não haverá tempo na vida dalgum leitor para chegar a este item, já para não falar da paciência. É que não tem mesmo pilhéria alguma, um blogue com um texto enorme, pesado, arrastando-se... Eu escrevo publicamente, logo, preciso de leitores, logo, tenho de pensar neles, acarinhá-los e não repudiá-los com longos e aborrecidos escritos.
Esquecendo o facto de estar aqui para baixo, esquecendo a cobardia, caso eu seja cobarde, e sou-o em algumas alturas, e aproveitando a improbabilidade dalguém descer tanto, devo dizer que continuo com vontade - agora poucochinha - de terminar o blogue porque não sei lidar com a realidade e a virtualidade em simultâneo, não sei viver em dois mundos diferentes. Sinto que me estou a afastar da vida, o imaginário é tão mais apelativo – ou tem-no sido -, desconstruo o mundo e reconstruo-o como me aprouver ao momento. Entretanto dou comigo a sentir que durante esse processo cíclico e doentio a vida não me apraz tanto quanto devia, dou-me ao imaginário, à criação, e escrevo ininterruptamente, ou desconstruo e reconstruo as minhas observâncias, o que me cansa, oprime e martiriza. Na verdade eu não tenho uma cabeça pensante, eu tenho uma cabeça escrevedora, penso, escrevo e escrevo e escrevo e escrevo, eles e elas vão embora porque eu preciso estar sozinha para escrever, ou então não me dão atenção, claro que não, digo patacoadas improváveis – não sei conversar - ou sou muito ansiosa ou muito séria ou muito autocrítica e amedronto as pessoas.
Ora bem, não posso continuar assim, há que mudar ou partir. Sou uma mulher pobre, que não descobriu ainda se realmente sabe escrever para os outros, para ter leitores, para que se entenda o que diz. Não sei, não sei a verdade, ninguém ma vai confessar, uns por compaixão, outros por desinteresse. Sou pobre, repito, não posso viver da escrita, muito menos do imaginário, e a tentação de sucumbir, esquecer a vida e dedicar-me à loucura ultimamente tão sentida, é incrivelmente sedutora. É por isso que quero desistir de escrever. A verdade é essa. Note bem: eu disse 'quero' mas sem convicção. Note muito bem: este itenzinho da treta está uma confusão do caraças.

Pronto, a estafa termina agora. Pelo meio destes oito dias, de segunda-feira a segunda-feira, muitas coisas acontecerem, muitos estados de alma e vivências foram escritos.
Aí para baixo vai haver espaço para três fotos de Sintra que tirei no domingo, dia 4. São três porque usei três programas diferentes, acabando por fazer três tons distintos da mesma paisagem, e na impossibilidade de escolher a que melhor me parece, ficam as três.
Vai também ver-se uma foto de Lisboa, tirada à Olívia junto a uma montra de vestidos de noiva, criando um contraste de cor e de realidades muito engraçado.
Por junto e finalmente, haverá receitas de dois bolos e o poema duma canção dos Quinta do Bill que afinal não se chama 'Até ao fim' mas 'Chamar-te a mim'.

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Bolo de figos

Ingredientes

12 figos secos
150 gramas de manteiga
200 gramas de açúcar
3 colheres de chá de fermento em pó
150 gramas de amêndoa moída

Preparação

Cortam-se os figos em pedacinhos, regam-se com água a ferver e deixam-se arrefecer.
Entretanto, bate-se a manteiga com o açúcar e as gemas até se formar um creme fofo. Mistura-se a farinha peneirada com o fermento, os figos escorridos, a amêndoa e por último as claras em castelo.
Coloca-se numa forma untada com margarina e polvilhada com farinha e leva-se a cozer a meio do forno durante cerca de 40 minutos. Desenforma-se depois de frio.

Bolo de marmelada

Ingredientes

250 gramas de açúcar
70 gramas de manteiga
150 gramas de marmelada
1 colher de sobremesa de canela em pó
Raspa de 1 limão
200 gramas de miolo de amêndoa, moído
75 gramas de farinha
12 colher de chá de fermento em pó
6 ovos

Preparação

Bata o açúcar com a manteiga até ficar um creme esbranquiçado. Junte os ovos um a um. Depois adicione a marmelada previamente passada por um passador de rede, a canela e a raspa de limão e bata bem. Adicione então a amêndoa, a farinha peneirada com o fermento e mexa muito bem.
Coloca-se numa forma untada com margarina e polvilhada com farinha e leva-se a cozer a meio do forno durante cerca de 40 minutos. Desenforme, deixe arrefecer e cubra com marmelada em puré, ou pincele com geleia de marmelo.


Chamar-te a mim, Quinta do Bill


Sabes que eu sou tudo, menos racional
não sei de que lado estão o bem e o mal
nem sequer o tempo sei contar
sou o filho que Deus esqueceu de amar

Até ao fim
eu vou lutar
chamar-te a mim...

Sabes que não sobra muito a quem pouco tem
se me olho ao espelho, nunca encontro alguém
já não sei em quem acreditar
dá-me a tua loucura, faz-me aqui ficar

Até ao fim
eu vou lutar
chamar-te a mim...

E se alguém me acusar de louco
não me, não me importo nada
sou eu mesmo louco
não me importo nada
não me importo nada, não te importes nada

Até ao fim
eu vou lutar
chamar-te a mim...

Eles não sabem quem eu sou, quem sou, quem sou

Letra retirada daqui.

2 comentários:

  1. Oh isto é para nos deixar sem fôlego. E na duvida: será que nos vai deixar novamente?

    Sabes, aqui sou "maluca" desde a adolescência porque escrevo histórias em vez de diários e poeminhas de amor.

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