domingo, 17 de maio de 2015

Blás

Na tv ouvi alguém dizer que toda a arte é uma imposição da imperfeição do criador ao público. Fiquei a pensar naquilo, e ainda hoje penso, porque sim, é mesmo, jamais serei perfeita, logo: através da escrita imponho a minha imperfeição. Mas acontece o seguinte: ninguém me liga a ponta de um corno, portanto, a bem dizer, não estou a impor porra nenhuma.
Tenho um amigo que adora ervilhas com ovo, é inclusive o seu prato favorito. Revelei-lhe que como isso somente quando estou sozinha em casa. Ele respondeu vivamente 'vais deixar de almoçar sozinha, amor!' Foi um pedido de namoro muito original e um tiquinho tentador, que eu adoro ervilhas.
Hoje há sopa. Grão e curgetes e muitas cenouras, também consta cebola e nabo e batatas e couve e pimento. A sopa sabe muito a grão. O grão impõe-se mas não sei se será um caso de intenso sabor ou de quantidade exagerada. Será o grão um artificie das sopas e vai daí impõe a sua presença? Terei eu de ser mais grão, mais, muito mais grão, para me impor enquanto escrevente? A resposta é sim. Se tens dúvidas, não faças. Se conheces a resposta, dispensa perguntar. Isto passou-se. Tirando as duas colheres de sopa que retirei para fazer as provas de sal e azeite, a sopa está intacta.
Fiz lasanha de legumes. Hoje estou um bocado vegetariana. Isto comeu-se. Sobrou um bocado para as marmitas dos ricos filhos.
Tinha uma lâmpada fundida, do candeeiro da sala, que já substitui.
Rica filha, como é que se chama aquela que canta o summertime sadness? Lana del Rey, diz ela. Obrigadinha. «Kiss me hard before you go / Summertime sadness / I just wanted you to know / That baby, you're the best»
Ó mãe, a chave do carro?, pergunta o rico filho. Na minha mala, respondo. Aqui há tempos tinha de o ajudar a encontrar a chave, que a minha mala é tão cheia e confusa como a de qualquer mulher, sou um bocado gaja nisso de encher a mala, o Luís costuma dizer que se ele precisar de um tijolo, em qualquer circunstância, encontra-o na minha mala. Não se diz mala, diz-se carteira. É assim que se distingue uma senhora de uma mulher. As senhoras dizem carteira, as mulheres dizem mala. Eu sou uma mulher.
Fiz um vídeo, tirei várias fotografias, coloquei tudo no blogue.
Vi umas cenas de um filme com clones. Fiquei a pensar que era porreiro haver mais Ginas. Uma para dormir, outra para limpar, outra para arrumar, uma outra, refinada, para trabalhar, sim refinada, que trabalhar num estaminé requer finuras. E uma, apenas uma, a mais especial de todas, eu, portanto, para escrever.
Agora está a dar um filme com um ator másculo e viril. Um só adjetivo bastava, escolho o másculo.
Naquele filme dos clones, volto a esse, uma mulher é baleada várias vezes mas passados segundos as balas percorrem-lhe o corpo, subindo, subindo, descendo depois pelos braços e abrindo buracos nas pontas dos dedos, por onde finalmente saem. Antes de ser alvejada ela tinha-se injetado a si mesma com uma seringa que continha um líquido que a tornaria imortal. Foi uma cena muito fixe, isso de ver as balas abrindo caminho, a ver-se a corrida por baixo da pele dela. Depois de saírem para o ar, falo das balas, as pontas dos dedos sararam rapidamente, era ver a pele a fechar e quês. Não sei porque estou a dizer/escrever isto, talvez seja para repousar na diferença, que habitualmente não tenho parte com cinema fantasioso e hoje apetece-me variar.
A tristeza voltou. Acho que os dias alegres são cada vez menos e os tristes cada vez mais, dantes era meio por meio. Há no entanto  umas coisas que hoje sei como combater, conheço-as, ou aceito-as, é mais isso. Mas aceitar os meus males abre caminho à solução. Solução. Solução. Solução. E pressinto-os. Falo/escrevo dos males. Tenho de os pressentir, tenho mesmo de os pressentir, por isso raramente descontraio. Choro. Quando choro, choro porque não quero ser uma pessoa triste. É paradoxal, não é?
Tenho uma amiga, e torno agora ao filme dos clones, que diz 'estas gajas pá!', as atrizes do filme, 'são todas boazonas, dá vontade de as esmurrar!'
Filme com o George Clooney, agora. Não estou certa de ser assim que se escreve o nome do ator mas não pesquiso para me certificar para o post ficar mais genuíno. Reconheci-lhe a voz. Estava para aqui a construir este enorme post e quando o ouvi na tv, pumba, percebi que era o homem do café Nespresso, que também não sei se é assim que se escreve nem vou pesquisar para eventualmente me corrigir.
Então, ora, coiso, este post foi sendo construído durante o dia... Ah... descobri agora que o filme com o George Clooney, volto a não me corrigir, evenualmente, é o dos clones! Ah! Olha as balas a percorrer o corpo da caramela que se injetou...! Oh! Mas dizia eu deste post. Pois é, este post foi sendo construído ao longo da tarde deste dia. Sempre que me lembrava de uma patacoada qualquer voltava ao post e alterava-o. Depois publicava. Vai daí, vinha de lá outra ideia genial e pumba, toca de ir buscar o post já publicado e acrescentá-la. A ideia. Genial. Ou patacoada. Depende de quem lê. Depende também de quem escreve, que quem escreve também opina. Achar que escrevo patacoadas de certo modo liberta-me do jugo da perfeição, do bonitinho e fofo.

4 comentários:

  1. Como tu és indubitavelmente uma senhora, e do Norte, às tantas esta é uma questão lisboeta, ou assim.

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  2. Escreveu bem, em qualquer dos casos, mas isso pouco interessa.
    Há assim algo de solidão e algum desconforto, mas espero seja um momento como, na vida, todos temos.
    Eu adoro ervilhas com ovos, adoro ler o que escreve, mas gosto mais da Gina sarcástica e com humor.
    Momentos destes acontecem!
    Beijinho

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  3. Existem alguns itens sarcásticos neste enorme post, mas compreendo que a minha solidão se destaque e abafe o resto, eu sou efetivamente uma pessoa solitária.

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