quinta-feira, 27 de novembro de 2014

História
ou
Do lugar da musa não sei a idade

Comecei por entrar no lugar da musa há anos, creio que vai para aí numa dezena, não sei lá muito bem, e isso na verdade pouco importa. Eu entrava e vasculhava os livros, como hoje, desejando tê-los todos para poder ler a maior parte, mas sem comprar nenhum, como hoje. Mas não bebia café. Pois. E creio que no início das minhas visitas quase diárias não existia no espaço o sublime café. Se existia, peço perdão.
Depois apareceu dentro da livraria e na minha vida o balcão, a máquina de café, os/as moços/as que o serviam na pequena chávena o aromático e fumegante e precioso e escuro e espumoso líquido, o qual não demorou nada de tempo a que o considerasse muito bom e o adjetivasse de sublime. Entrava-se no espaço e cheirava a café à mistura com o cheiro da tinta da impressão e o do papel, o que me inebriava, como hoje. Sentava-me, bebericava o café... E sem dar por isso comecei a sacar do bloquinho – que sempre foi – rudimentar para apontar os meus tópicos, um tanto ou quanto desenfreadamente em alguns dias e calmamente em outros. Recordo que nesse tempo grande parte das pipocas que preenchem o meu blogue saltavam ali, porque havia livros, pessoas e o algo que pairava no ar me inspirava sobremodo. Houve inclusive uma época em que só me inspirava ali. Quando me apercebi disso, quiçá meses depois, cognominei todo aquele conjunto de situações como 'lugar da musa'. E lugar da musa ficou desde então. Existem dezenas (ou centenas, sei lá) de posts onde refiro este lugar e existem outros tantos daí advindos mas sem que faça referência escrita ao lugar.
Tempos depois, calhando anos, achei que não tinha nada de me cingir àquele lugar da musa para me inspirar, qual quê, a musa tem de descer seja lá onde for... Hoje é-me mais fácil encontrar inspiração em todo e qualquer lugar, por causa de toda e qualquer pessoa, ou de toda e qualquer árvore, folha, flor, pássaro, nuvem... Tudo. Não posso todavia passar a vida a escrever. Pois.
Deixo agora registado quando e como começou esta 'história'.

::: Vou até ao lugar da musa. Deixo-me estar. Escrevo. Chego aqui e descubro que trago de lá uns apontamentos que não descodifico. ::: 6 de Janeiro de 2012:::

::: No lugar da musa produzo tópicos ou pequenos textos, tanto faz. Acho que é por sugestão. Estou no meio dos livros, o ambiente é totalmente diferente, acolhedor e impessoal em simultâneo. As frases surgem amiúde, são sugestionadas porque o meu cérebro já se habituou a funcionar de determinada maneira naquele lugar, àquela hora, com aquele tipo de movimentação ao derredor. Poderão porventura, quiçá, os cheiros e sons serem os responsáveis pelas sugestões... Sei lá eu!
É de tal maneira intenso o que sinto, que a cabeça está zonza, há uma espiral que me suga para outra dimensão. Depois sinto a casa a abanar... Noutro dia até me deu vontade de perguntar à menina dos cafés se estava a sentir como eu, porque vi o balcão a abanar. Ela que me costuma ouvir... Mas quedei-me, chegou a insegurança, deixei-a entrar. Aquele olhar celeste e tão jovem, tão puro, tão leve e livre de males… Receei que não entendesse a minha poesia. ::: 3 de Fevereiro de 2012:::

::: O lugar da musa já não contende comigo como outrora. Contendia através duma força desconhecida, um impulso criador, sei lá. Já não contende...
Dantes sempre tinha umas frases (quantas vezes ilegíveis umas horas depois...) no bloquinho rudimentar que me acompanha diariamente. Não estou triste com esta perda, sei que se perde para ganhar, a vida é um retrocesso de todas as situações antagónicas.
O lugar da musa funcionava como um talismã, eu já lhe dava demasiada importância, cheguei até a comparar-me a um escritor quando o ouvi dizer numa entrevista que tinha de vestir um casaco creme, velhinho e gasto, para escrever. E escrevia. Era assim que acontecia comigo: escrevia se estivesse ali pousada, observando. Em tempos, durante muito tempo, inclusive, ia lá para clarificar umas ideias e expulsar outras. Agora já não dá, que o lugar da musa já não contende comigo como outrora. ::: 9 de Abril de 2012:::


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