quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Memórias I

Elvas, ou lá que é isto, 10 e não sei quê da noite; 2|09|2013
Restaurante. Escolha: ensopado de borrego. Noite. Fome. Viagem. Assim: por tópicos o que tenho a dizer. Viva a vida.
O restaurante chama-se ‘Retiro dos Amigos’, li agora no prato que ainda se encontra vazio.
Café: posso beber, não interferirá no sono. Ademais, melhor não tê-lo, conduzo daqui a pouco, madrugada adentro.
Não, não bebo, afinal. Roubo um golinho da chávena do Luís. Nada diferente da vidinha habitual, portanto.
Comecei por registar ‘Gina agarra no carro; Luís põe as mãos no volante; às tantas horas; quilometragem tal; data; hora e afins’, chegando a fazê-lo duas ou três vezes, mas depois cansei-me…

Bourg-Madame; 4|09|2013
Dormimos aqui. Bourg-Madame é uma vila francesa junto aos Pirenéus. Linda. Simplesmente magnífica. Aqui faz um frio terrível, estamos indubitavelmente na serra. Frio dentro do quarto, frio no corredor, frio na rua. Está frio, sim senhores, mas o dia é claramente um dia de verão, há sol aberto e total ausência de nuvens.
Comemos piza. Sim, comi piza em França. Piza. Pizza. Será piza ou pizza? É piza. O moço trouxe três pizas e não duas, como tínhamos pedido. Custámos a perceber-nos, ele e nós… Ufa. Mas pudemos levar o resto da piza connosco, mas até essa parte foi complicada de tratar, como se diz caixa em francês? Ufa, ufa.
Há internet neste quartinho, ontem ainda me lembrei de me pôr para aqui a escrever e publicar no blogue as primeiras impressões da viagem, mas entretanto pus a ideia de lado, principalmente por preguiça, se bem que fazendo a escrita em direto a mesma se apresentaria mais genuína e ademais, se assim procedesse, seria uma primeira experiência, pois em dias ociosos sempre me debrucei diferidamente sobre o blogue.
Foi em Bourg-Madame que descobri a má qualidade das escovas de dentes compradas para a viagem. A pelugem é demasiado rija, a base que a sustém é larga, tão larga que quase me não cabe na boca, o cabo é curtíssimo. Lavar os dentes é uma saga, desde então.

Montpelier
‘Maintenent nous sommes à Montpelier.’ Montpellier? Monteplier? Não sei. ‘Je ne sais pas.’
(É Montpellier. Pesquisado a posteriori.)
Isto aqui é giro, tem montes (mont…) de monumentos históricos, uma universidade grande pra caraças, edifícios enormes que se farta, aeroporto e tudo. Há montes (mont…), tenho montes (mont…) de coisas para escrever, tenho montes (mont…) de pipocas na cabeça que quero escrever e também tenho montes (mont…) de fotos para organizar.
Encontrámos um jovem por aqui que vinha de bicicleta rua acima. A bem dizer ele é que nos encontrou, ouviu-nos falar e disse alto: ‘Com licença.’ Depois do choque inicial – sim, pode acreditar-se que ouvir uma voz em português a mil e não sei quantos quilómetros de casa, sendo que há dois dias que não se ouve a nossa língua sem sermos nós próprios a falar… é de ficar em choque, sim senhores - ficámos todos malucos por ouvir falar em português. Conversámos um pouquito, ficando a saber que o simpático e comunicativo jovem veio estudar para aqui, chegou há uma semana e ao fim da conversa aconselhou-nos a ver o pôr-do-sol depois do grande arco, na ponta da cidade, pois é um momento lindíssimo, mas infelizmente não pudemos ficar para ver, tínhamos de seguir viagem.
Agora noite serrada, algures perto de Cassis
Vim eu de longe, tão longe, mas tão longe… Para comer piza numa rulote em França… ‘Oh mon dieu’… O senhor da rulote achou fantástico - tanto achou que abriu a boca de espanto com os olhos a acompanhar na abertura - que tenhamos vindo de carro até aqui e ainda por cima irmos daqui para Maratea, Itália, ou seja: estamos para a í a meio do caminho ainda. Diz que nesta vila há muitos portugueses, tem inclusive amigos portugueses, chegando a agarrar no telemóvel e a ligar a um deles mas o tuga estava a dormir porque trabalha por turnos ou lá que é. O homem das pizas na rulote tinha um auricular no ouvido, portanto não prolongou a nossa fome, nem extenuou as nossas pessoas, não senhores…

Algures no Mónaco; 5|09|2013
A rica filha faz anos. 22. Vinte e dois. Capicua…
São não sei que horas, praticamente ainda madrugada, talvez sejam sete e tal ou assim. Esta noite não dormimos, andámos de carro. Estou toda marada da tola… Não dormir torna a vida estranha, padece-se duma confusão geral, ao derredor é tudo abstrato.
Estou numa pastelaria. Dois empregados falam francês entre si, pois claro. Não são particularmente amiguinhos dos forasteiros – ou seja: nós - mas pronto, sei que afabilidade para com forasteiros não é uma imagem de marca do povo francês das grandes metrópoles.
O telemóvel do Luís despertou – se bem que esse despertar hoje seja totalmente desnecessário -, por isso percebi são para aí sete e meia.

Roma; 6|09|2013
Estamos em Roma; está-se em Roma; muito gosto eu de repetições.
Restaurante típico, acho eu, muito gosto eu de suposições.
Vamos comer sandes. Eu, em Roma, a comer sandes. Mas são típicas, ao menos isso. São compostas com queijos italianos (como não, né?!) e peperoni e prociutto e zucca e acciugui. (pimentos; presunto; abóbora; anchovas) Tirei fotos ao moço a fazer uma sandes e ele espantou-se com o flash, sorrindo timidamente, se estivesse mais perto creio que lhe tinha visto rubor nas faces, vai daí esqueço-me e desbobino num italiano fraco e a raspar inevitavelmente o português que só tinha captado as mãos e o balcão e gesticulei de modo a querer dizer que não se preocupasse, ainda quis gesticular de modo a perguntar se ele queria que apagasse a foto mas ele já tinha concentrado toda a sua atenção no trabalho. Deixei estar a foto. É minha.
Roma… Juro que nunca me ocorreu que um dia o cabeçalho do meu diário ostentaria a cidade… ROMA.
Esta cidade é linda, imensa, desafogada e incrivelmente histórica, cheia de simbolismos valiosos, duma riqueza arquitetónica de cortar a respiração, apesar do desafogo, quero eu dizer que as ruas são largas, bem como os passeios e as estradas, portanto: ainda que metrópole, não há assim tanta gente aos molhos.
Não andámos de metro, lamentavelmente.
Provámos um cappuccino soberbo, o café expresso aqui é do melhor, qual lugar da musa qual quê, nem saudades...
Ao pequeno-almoço há croissants, incrivelmente, pois é.
De novo o café expresso. Em Portugal pede-se uma bica italiana caso se queira um café curto. Pois bem... Aqui a bica é mesmo italiana, curtíssima e é cá duma pujança, pá... Grande bomba.
Vi o Coliseu ao longe e vi o Coliseu lá dentro e também visitei longamente o Palatino, só por dizer que… A minha máquina fotográfica não captou um número elevado de fotos, as últimas duzentas, as fotos todas do Palatino foram atrozmente arrancadas da memória do cartão, por qualquer motivo o computador não as leu. Fiquei desolada, estariam algumas muito bonitas, tenho a certeza, pois aquele lugar é glorioso.
Resta ainda dizer que as árvores de Roma têm os troncos altíssimos e a copa achatada, a rica filha diz que parecem brócolos, e não está errada, parecem mesmo.
Não visitei o Vaticano. Não vi o Papa. Não fui a Roma para vê-lo. Não consegui perceber se efetivamente todos os caminhos vão dar a Roma.
Não tenho memória doq ue comi aos jantares mas tenho memória dum almoço numa ostearia, que é um restaurante simples e sem salamaleques dispensáveis, mas onde se come bem e barato.

Maratea (iupi!); 8|09|2013
Chegámos. Chegámos. Chegámos. ‘Oh cieli’… Três mil trezentos e nove quilómetros, acrescidos de cinquenta míseros metros. É claro que o que mais custou a percorrer foram estes últimos cinquenta metros… Chegámos ontem: 7 de setembro de 2013, às sete e tal da tarde, hora local.
4 e tal da tarde
Praia, agora.
Praia.
Praia.
Praia Negra; spiaggia Nera.
Muito diferente do meu costume de praias, tanto pela paisagem, como pelas pessoas presentes. A areia é uma completa novidade para mim, grossa e negra que só visto (daí o nome desta praia, presumo), a bem dizer são pedrinhas ou pedacinhos de rocha de várias cores, como branco e cinza e negro, sendo maioritariamente negras, logo, a escuridão impera no chão daqui. O tamanho do areal não é nada de extraordinário, tanto em largura como em profundidade. As pessoas são quase todas italianas, o que não é de estranhar, estou em Itália. Os italianos são de facto tão expressivos e expansivos como se vê nos filmes e séries de tv, em Roma então nem se fala, fazem aquele gesto de juntar todos os dedos duma mão e elevá-la repetidamente, como se dissessem ‘mamma mia’ de dois em dois minutos. E eles a conduzir?! ‘Oh cielos’… Conduzem como que concentricamente, pois parece que todos querem o mesmo destino, mas fugindo uns dos outros simultaneamente, e rápidos que se farta! Ui.
Infelizmente deixei impressões doutros locais e doutras gentes por escrever. Paciência. O cansaço era imenso. O tempo era apertado. E eu também gosto de viver sem preocupar-me em escrever tudo, deixar as benditas (ou malditas, depende do momento) pipocas de lado aquando das férias.
À noite fez-se visita ao centro de Maratea, a cidade das 44 igrejas. Sério, quarenta e quatro ‘chiesa’. Todas as que vi estavam de portas abertas, aprumadas e ornamentadas, e até nem é assim uma cidade tão grande quanto isso, os italianos é que são efetivamente muito religiosos e erguem altares por tudo e por nada… Religiosos mas não muito tementes ou cumpridores de regras.
Havia festa, aparentemente a festa anual da cidade. Comes e bebes em bancas, em restaurantes, pastelarias, gelatarias, e toda a espécie de comércio, tudo aberto à clientela, mesmo a altas horas da noite.
Petiscámos piza de flor de abóbora, mozarela panada, flor de abóbora frita, dentre outras coisas não tão diferentes dos nossos costumes.

Maratea; 9|09|2013; Vinte para o meio-dia, ou lá que é, na praia Macarro
Verdes. Verde profundo, verde médio, verde elétrico, verde gasto, que é como quem diz: verde quase cinzento. Verde; verde; mesmo verde. Verde e pronto. São as árvores e a vegetação nesta praia, Macarro de seu nome, a qual apresenta uma paleta de verdes em oposição ao azul do mar. Opostos. À parte. Nunca se juntarão. Aliás: nem é preciso, melhor deixar assim que está bem-feito.
A legenda das fotos devia ser em crescendo: eu; Maratea; Basalicata; Itália, Mundo; Universo. Isto para iludir.
Duas e vinte e um da tarde
Televisor ligado num canal italiano. Ter escolhido sem projeto. Ter calhado num de culinária. E não é que a ‘donna’ faz bolos?! Entretanto chega um companheiro, que se ocupa do recheio. Ela corta o bolo longitudinalmente, usando um fio de algodão. Soltam ahs e ohs de contentamento pelo aspeto que tem o interior da iguaria, presumo que estejam igualmente contentes com o cheiro e com a maciez da massa acabadinha de cozer. Não somos tão diferentes assim uns dos outros, afinal. Portugueses, italianos e demais. É tudo igual, onde quer que existam estes seres que falam entre si – vulgo seres humanos – seremos iguais uns aos outros.
Maratea, ah Maratea... Férias e assim. Descanso. Adeuses aos hábitos. Até jás a todos os costumes bons ou ruins . Não sentir saudades, nada disso. Por enquanto… Ver paisagens pela primeira vez, ser desvirginada com deslumbramento. É do melhor. As primeiras vezes deviam ser todas assim.
Quatro e tal da tarde, possivelmente cinco
De noite sonhei que tossia muito e várias pessoas tentavam ajudar-me, como quem se preocupa verdadeira e incondicionalmente, portanto: como se o mundo fosse perfeito em alguns aspetos, como efetivamente é, mas sem que o tal do sonho fosse conclusivo dalguma outra maneira. Hoje, durante o dia, e principalmente aqui na praia, tenho ouvido umas quantas pessoas a tossir e então lembro-me do meu sonho e das pessoas assim a modos que benévolas e prestáveis do meu sonho, e então reparo que ninguém se chega às pessoas que tossem na minha realidade d’agora.
Há pouco um moço fazia ioga numa das extremidades da praia, mesmo à beira-mar. Quando terminou o seu momento deslocou-se para outro ponto da praia e pôs-se a atirar pedrinhas para o mar. (A água é tanta que não é difícil acertar-lhe...) A dada altura cansou-se, creio, pois retirou um livro de dentro da mala e pôs-se a ler.
O recinto do aglomerado de casinhas onde estou hospedada é farto em vegetação, há lagartixas em cada vinte centímetros, viajam principalmente pelos muros, fugindo rapidamente assim que me ouvem. Às lagartixas é natural que eu assuste…
Desta vez estou muito indecisa relativamente ao modo de apresentar estes escritos no blogue. Não devia lá pôr porra nenhuma, acho-me sozinha. Ao escrever no blogue sempre tive o intuito de partilhar acontecimentos, a par do desejo imenso de ser ouvida, do narcisismo, do alter-ego e essas coisas que tanto fazem a gente sentir-se importante.
17:35
E eu a pensar que ia escrever e escrever e escrever, tanto mas tanto que neste caderno não caberiam todas as impressões e emoções das férias… Qual quê.
Esta areia, nem sei se pode chamar-se assim, é fácil de penetrar, como é muito grossa cria ar entre pedrinhas e quando me desloco parece que me afundo num pântano ou algo assim, mas sem o temor da sucção. Quero dizer, presumo que os pântanos suguem quem os pisa.
O côncavo e o convexo. Quando me deito na toalha rodo a cabeça dum lado para o outro, para achar uma cova e aconchegá-la aí, acabando por fazer uma altura onde apoio o pescoço. Depois esforço-me por fazer o mesmo com o resto do corpo. Não é difícil…
9 e tal da noite
‘Ravioli di ricota e fruti di mare’. É bom, não é extraordinário mas é bom. Restaurante ‘La Rotonda’, no Porto de Maratea. O queijo ricota é parecido com o queijo fresco, quando se mastiga vem descendo e aloja-se nos cantos das gengivas e a sensação que tenho é que aquela parte da boca está colada, tornando bastante difícil a mastigação e chegar lá com a língua para descolar e fazer a limpeza é do caraças…
Comprei uma espécie de chapéu para cobrir os bolos e preservá-los de poeiras e insetos. Tem gomos aos quadradinhos vermelhos e brancos e outros gomos de renda branca. É alegre e campestre.

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