terça-feira, 25 de junho de 2013

A voz

Numa loja giríssima, daquelas em que a gente pode andar a vasculhar as prateleiras, desdobrar as peças todas e deixá-las fora do lugar sem que nos venham moer a cabeça, vi uma cara conhecida do panorama literário português. Primeiro pareceu-me ela e fiquei com algumas dúvidas mas depois de a ouvir falar tive a certeza que era mesmo quem eu estava a pensar, pois possui uma voz extremamente peculiar.
A dada altura reparei que a escritora espreitou de dentro do provador e que precisava duma funcionária. Decidi intervir, oferecendo ajuda. Ela aceitou, mostrando-se muito grata. Chamei a moça e regressei para lhe dizer que a funcionária não tardaria. Entretanto tomei coragem para acrescentar que a vi na tv, tendo gostado bastante da sua transparência enquanto entrevistada e que também gosto do modo apaixonado como escreve. Ela agradeceu e agradeceu e agradeceu.
– Ah, muito obrigada. Muito obrigada. Muito obrigada.
E eu fiquei como que arrependida, não era nada daquilo que eu queria dizer, muito embora sejam verdades e coisas que realmente penso, o que eu queria era conversar de livros e de escrita com alguém dos livros e da escrita. Tive as vazas todas, convidava-a para um cafezinho e conversávamos. Mas não.
Vai daí, depois, ouvi-a falando com a funcionária, como quem duvida:
– E tem este modelo num número que me sirva?! Ai filha, é que eu estou uma vaca!
A funcionária disse algo que concluo ser um 'não é nada, ora essa, deixe lá isso' e ela ripostou com veemência:
– Estou, estou!


Nota:
Não revelo o nome da senhora porque criei um texto onde mostro uma cena que talvez a protagonista não gostasse de ver publicada.

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